Negociando com Deus e com o futebol




Meu filho nasceu com uma lesão cerebral. Frente a tragédias e a irreversibilidade a nossa tendência e negociar o que se tem e o que não se tem. Eu tinha ideia da gravidade, mas negava. Movimento natural, negociar. Então fui num jogo do Grêmio e São Paulo no estádio Olímpico. Acho que o jogo tinha uma importância porque era noite e eu fui sozinho. No meio do jogo pensei que meu filho deveria entrar ali comigo, na arquibancada e conversaríamos sobre tudo, e falaríamos do futuro, e dos dias que viriam e dos projetos de vida. Mas eu estava só num estádio quase lotado. Então comecei então, em absoluto segredo e silencia, a negociar com Deus. No meu trato secreto oferecia meus olhos, minhas pernas e meu cérebro para que ele recuperasse os seus pé e braços, seus neurônios funcionassem e um dia ele poderia estar num jogo comigo e entender o que acontecia. Então veio um sinal e o Grêmio abriu dois a zero. O pacto funcionara. O sinal de Deus que me dizia que eu deveria ter esperança. No segundo tempo o São Paulo empatou e fiquei com a sensação que uma mensagem fora dada. Meu filho nunca entraria num estádio e nunca entenderia o que o futebol desperta. Então pensei que ou Deus não negocia, ou não gosta de segredos e não faz acordo por baixo dos panos, mas acima de tudo, que se ele existe, deve atuar de forma randômica. Ao acaso, um Deus algoritmo com variantes aleatórias. Uma equação com mais incógnitas do que variáveis. O que me deixou com a sensação que seja o que for, não faria mais a mínima diferença. Deus não joga, mas fiscaliza ficou uma frase ingênua de uma infância distante, um arremedo de justiça. Restando da infância neste caos da descrença apenas uma cena, relíquia infantil no qual meu pai me levou, uma única vez que isso aconteceu, a um jogo do Grêmio contra o Santos do Pelé. Foi o único, mas era o Pelé. 
Não tive essa chance com meu filho.  

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