A essência e a alteridade


Como saiu esta semana as indicações para o Troféu Açorianos de teatro, muitas pessoas me ligaram e mandaram email perguntando sobre meus trabalhos. A quem interessar possa, não inscrevi nenhum trabalho no concurso. Na verdade uma informação é necessária. O Troféu Açorianos, em seu formato moderno, com inscrições. Produtores, diretores, grupos interessados inscrevem seus trabalhos para avaliação dos jurados, devidamente remunerados para tal empreendimento e isso significa que somente espetáculos inscritos concorrem a premiação. Logo, não estou concorrendo a nada além da permanecia de uma ideia, uma piada, uma cena, um pensamento na mente do espectador. Eu não tenho inscrito nenhum trabalho meu já a alguns anos. Não porque ache que tem alguma coisa errada com a premiação em si, os jurados ou os critérios. Não acredito neste tipo de competição em arte. Penso que a esta concorrência no teatro não engrandece, apenas exacerba o narcisismo e a competitividade do tipo superior-inferior. Justamente o critério que não cabe em arte, pois a essência é a alteridade. O diferente, o original, o subjetivo. Tudo isso não é adequado a princípios artísticos relacionados ao teatro, embora possa ser feito e de fato, em quase todo mundo civilizado seja assim. Porém, por ser uma pratica vigente não significa necessariamente dizer que deva ser assim sempre. Justamente este é o caráter humano, a eterna transformação. O movimento sem fim, as espirais dos sonhos em desenrolar constante. Este processo de premiação é bem adequado, por exemplo, para o cinema que tenta fazer um mix entre arte e indústria. Ou programas de televisão que sobrevivem de patrocinadores e a mensagem é o pretexto para a propaganda. Mas não tenho certeza de nada disso. Quem ganha gosta, tem reconhecimento, faz bem para o ego e, as vezes, para o bolso. O que sinto é a as melhores peças que assisti em minha vida, aquelas que ficaram dentro de mim como ideia, sonho ou possibilidade não frequentaram o salão da competitividade. A experiência teatral é um exercício da introspecção, e para isso faz-se necessário um mínimo de solidão. Isso não significa sustentar que os espetáculos tenham que ter pequenos públicos ou em espaços alternativos. Este formato é interessante, podendo favorecer a intimidade do teatro, mas esta sempre existiu e deverá seguir para mais além. A intimidade com o espetáculo pode ocorrer em grandes plateias tanto quando em espaços reduzidos. O que importa é que o teatro fala com a intimidade e com o futuro. Muitas vezes usando o passado como texto e pretexto, com clássicos ou criações coletivas, com muitos atores ou exercícios solos, grande produções ou orçamentos mínimos. O essencial do teatro é o jogo que nos renova, areja nossos pensamentos, nossas emoções, o teatro como uma força poderosa de transformação, ao mesmo tempo processo e resultado, meio e fim. O teatro nos inventa o tempo todo. Criador e criatura.

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