Público Não Existe

Que público? Se cada um vê um filme diferente público não existe.

Foi mais ou menos esta a afirmação de José Padilha em sua recente passagem por Porto Alegre. Ele revela uma forma complexa de pensar. Primeiramente transcende a ilusão de que pelo simples fato de estamos juntos numa sala de cinema (ou de teatro) estaríamos vendo a mesma coisa. Revela que cada espectador ao que pese estar acompanhado de pessoas sentadas nas cadeiras ao lado, a absorção da obra é um exercício subjetivo, próprio e singular.

André Green, um psicanalista francês, diz algo parecido quando sustenta que quem escreve o livro é o leitor. O escritor organiza uma série de imagens segundo uma lógica e cabe ao leitor colocar a narrativa em ação. Quem edita o livro é o leitor. Penso que tanto Green quanto Padilha transitam no mesmo universo conceitual embora usem ferramentas para pensar de campos diversos. Pensei nos filmes de Ingmar Bergman ou de Píer Paolo Pasolini onde se produz uma dramaturgia de imagens que produz sentidos diversos sobre cada espectador. Até a afirmação de Padilha acontecer parecia que este tipo de interpretação acontecia apenas em filmes de arte (ou no grande teatro de arte). Mas não é isso que compreendi. O trabalho de extração de significado advém de a recepção no campo dos sentidos e articulação no nível dos mitos alcançando o mundo das paixões. O sensório articulado com a trama e com os afetos joga o espectador para dentro da obra numa imersão estética. Concordo com ambos, embora acrescente que uma das peculiaridades do teatro é a presença do artista, o ator, ao vivo, e temos um fenômeno determinado pelo agrupamento de pessoas que se poderia chamar de contágio humano. A risada contagia mais produzindo mais risada, a dor contagia produzindo mais sofrimento, a paixão contagia produzindo mais apaixonamento. É bem diferente assistir uma peça de teatro com seis pessoas na platéia ou com trezentas. O efeito humano do contágio é algo que precisa ser mais bem pensado. Se é verdade que estamos acompanhados, importa também sustentar que frente a recepção da obra estamos absolutamente sós. Uma dupla e paradoxal percepção. Mas o melhor de tudo é que não mais certeza de nada. A complexidade nos puxa o tapete e dá um golpe mortal no narcisismo e na onipotência. Abrimos por conseguinte a perspectiva da alteridade. Assistam suas peças e tenham suas opiniões, pois elas são únicas, singulares e subjetivas. E esta é uma das funções de arte.

Ser aquilo que somos.

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