TRABALHO APRESENTADO NA PRE JORNADA DO CEP 2014
O TEMPO NA PSICANÁLISE
Júlio Conte
O tema do tempo é
extremamente importante na clinica psicanalítica. Questões relacionadas com a
ansiedade, pânico, compulsão tem o tempo, ou a falta dele, como um ingrediente
importante, embora nem sempre visível. Sabemos da urgência relacionada com a
ansiedade ou o sentimento de terror produzido pelo pânico e também pelas fobias
como uma espécie de encurtamento do
tempo. O curto circuito da atuação do mesmo modo nunca espera, age. Não há tempo para o processo evoluir e resta
a ansiedade, a atuação, o sintoma e o psicossomático.
Samuel Beckett em seu contato com
Wilfred Bion teve que inventar um narrador para narrar o narrador narrado. Foi
o modo criado para lidar com seu tempo interno, monótono e repetitivo. O fez
criando peças de teatro nas quais o tempo era o personagem principal. Esperando
Godot tem o tempo implícito no titulo. E estão os personagens a beira de uma
estrada esperando o tal de Godot que não chega e termina o primeiro ato. Começa
o segundo ato e temos a mesma paisagem, porém a arvore que compõe esta sem
folhas. O tempo. E nada acontece pela segunda vez. A intenção era dar uma ideia
da violência do tempo e o quão insuportável ele é. Usamos artefatos para que o tempo não nos
devore. Imaginem vocês uma família num restaurante, pede a comida e espera. E
se, por um artefato narrativo, tirássemos os celulares deles. Ele vão se
defrontar com o tempo e ficara insuportável. A criança vai chorar, o mulher vai
reclamar e o pai vai no banheiro dar um tempo. Inferno dominical e para as mesas
vizinhas.
Um escritor chamado Kurt Vonnegut
deu uma palestra em Nova York há alguns anos atrás. Falando sobre o tempo e a
felicidade. Desenhou um gráfico onde numa coordenada corria o tempo, para a
direita, e outra a felicidade para cima.
Depois falou sobre necessidade imperiosa de narrar e inventar estória
excepcionais. O problema, segundo ele, é
que acabamos confundindo a vida real com
narrativas ficcionais. E deu dois exemplos. A primeira foi o conto da
Cinderela.
A
personagem começa com uma vidinha horrível,
esfregando banheiro e com meia-irmã do mal. Felicidade baixa e o tempo
correndo. Então a moça recebe um convite para um baile e a partir daí tudo
começa a melhorar. A fada madrinha aparece e ela ganha um vestido novo e uma carruagem.
Durante o baile, ela dança com o príncipe! Ela está feliz, nas nuvens! Mas aí
bate meia-noite e ela tem que ir embora. Ah, não! Que triste! Curva da
felicidade para baixo. Ela tem que
voltar a sua vidinha ordinária, limpando banheiros. Mas não é tão ruim quanto
antes, agora ela está motivada por essa experiência. Para terminar, o príncipe
vem resgatá-la e a felicidade sobe as alturas. Eles viveram felizes para sempre,
tempo infinito.
É claro que todas as pessoas amam essa estória pois elas acham que
suas vidas deveriam ser assim.
Depois trouxe a segunda história: o
desastre.
Um dia comum, numa cidade comum. Tempo
parado, felicidade media baixa. Uma criança cai dentro de um poço! A cidade
inteira se mobiliza para salvá-la. Curva da felicidade descendo vários pontos.
Mas ai, velhos rancores são deixados de lado por causa desta tragédia, um novo
astral se cria e todos trabalham em sintonia. Curva sobe um pouco. A criança é
salva e tudo volta ao normal. Mas agora a vida está um pouquinho melhor, já que
essa experiência do desastro os aproximou. Felicidade em alta.
As pessoas
amam essa estória pois acreditam que suas vidas deveriam ser assim.
O problema é que a vida real é diferente. Não somos a
Cinderela nem ao menos mineiros chilenos.
Nossa vida passa na média, monótona,
tediosa, dentro da normalidade. Alguns altos e baixos, amores que dão certo,
outros terminam, casamentos, separações, doenças, filhos e alguns remédios
anti-monotonia. Nada tão fantástico ou tão terrível que possa ser transformado
em uma estória que venha a ser narrada por milhares de anos.
Como
crescemos cercados pelos estes enredos maravilhoso em livros, filmes e
narrativas, passamos a acreditar que nossas vidas deveriam ser cheias de olhos
furados e leitos maternos. Mas não são. Por isso que as pessoas fazem dramas ou
tragédias. Quando nos distanciamos da dor, criamos comédias.
Tentamos transformar nossas vidas em
um conto de fadas. Ou em tragédias para nos salvar.
Para os gregos o tempo tem
duas palavras para designa-lo: Cronus x Kairos.
Cronus, é o tempo dos
homens, linear, cronológico. O tempo que aponta a flecha do tempo, da
irreversibilidade e a direção da morte. E o Kairos, tempo dos deuses, não
linear, circular.
O tempo linear dos homens é
carregado desta monotonia que tentamos combater com histórias e narrativas, com
atos e celulares. Esta modalidade do tempo, é o tempo dramático. O drama é o
gênero narrativo que surge com a revolução francesa. Até a Queda da Bastilha
tínhamos a tragédia e a comedia e sub gêneros de menor expressão. São as
duas conhecidas mascaras que vem desde a
Grécia antiga até nossos dias. O drama advém deste jogo do poder originado na
ascensão da burguesia que toma o poder ao derruba a aristocracia que era eterna
e parecia negar o tempo. Um escritor gaúcho escreveu certa vez que a
aristocracia era um relógio parado no meio da sala. Já o tempo trágico é revolucionário
e corta cabeças. Pescoços estão em jogo. É não linear pois vem em elipses, em retornos
e ritmos. Retrata o conflito silencioso do
homem com os deuses, que são a metáfora do destino. O homem grego criou a
tragédia e foi criado por ela para tentar se evadir da única coisa que é
impossível. Fugir de si mesmo e evitar seu próprio destino. Na narrativa
trágica o herói incorre numa desmedida,
sua falha, para escapar da moira e
esbarra na sua essência. Homem é o destino
de si mesmo. O trágico atualizado no cenário
pós-moderno produz recortes diacrônicos, rompe o tempo linear do drama
com um evento pontual do trágico. A linha e o ponto. Por sua própria essência
do trágico faz surgir o transcendente, o surpreendente, o irreversível, a
castração e a cesura. A transição entre estados emocionais. Tempo recortado
pela cesura, continuidade/descontinuidade produzindo o humor transistivo,
intransitivo. Aponta para a transformação e a invariância. O trágico guarda
relação com o passado e o futuro, uma
espécie de memória a advir, explora a possibilidades futuras e reversas
simultaneamente. A flecha do tempo vai para frente e para trás. Ao mesmo tempo
produz o antes e o depois. O trágico neste sentido guarda intima relação com
interpretação psicanalítica, trágica desde a origem. Produtora da cesura, tempo
trágico, recorta a linearidade do tédio,
da repetição e cria o novo tempo, evento trágico por excelência no processo
analítico, o tempo da psicanalise, que é também da transitoriedade do teatro. A rigor toda interpretação se recorta
sob o signo do trágico. Mas quando abstrai também por advir do Cômico.
Pensamento é tempo interior.
O tempo para pensar é uma aquisição da psique humana que não vem de imediato. O
imediatismo vem antes. Necessário uma ferramenta para mediar o imediato. Sustento
que o tempo e o espaço são resultado de
um processo do pensar.
Para isso temos que pensar
que existe uma mente primitiva. Esta mente que habita o bebê e que precisa da
mente materna para investigar. Mergulhada no ventre materno a mente primitiva
do bebê lança sua sonda no espaço infinito
na mente materna e inicia sua investigação.
O inconsciente seria na perspectiva de Bion, um inconsciente das
pré-concepções. Ou seja teria uma pré-concepção inato do seio na qual o bebê
carrega uma expectativa vaga de que num tempo futuro existe um objeto com
características grandiosas que vai satisfaze-lo. E que por trás do seio, há um
casal criativo que o contém e que, atrás
deste, um social e ainda, por trás do social, uma mente criativa.
Nesta direção ao futuro a
sonda é enviada.
O bebê se articula com o
sonho materno. Reverie. Palavra de
origem inglesa, muitos ainda sustentam que seja francesa. O fato é que existe a
mesma palavra em francês que quer dizer “devaneio ou ensonhamento”, mas em
inglês, língua que Bion usou, reverie, tem sua a raiz em “reverencia” ou seja, reverenciar
é a capacidade de tornar alguém importante. Talvez a combinação das palavras
possa ajudar a elucidar na sua complexidade e paradoxo.
A importância do valor do sujeito
se realiza através deste sonho peculiar. A mãe sonha o bebê. Sonha num sentido
primordial, no sentido de uma antevisão. E este sonho vai constituir a primeira imagem de futuro dentro da
psique do bebê. Ao nascer este sonho desliza, se transfere para o nome, para o
lugar ocupado no espaço familiar, no ambiente no qual o bebê é criado, para dentro
da família evolui para o relacional e para o social. Temos assim a criação da noção de tempo,
tempo do amor, tempo da tolerância. O bebê sente que alguém em algum lugar pode
suportar aquilo que para ele é insuportável. Esta primeira visão de futuro vai
se efetivar no processo de reverie no
qual o bebê, encharcado de intensidade aterrorizante tenta dela se livrar. Para
isso faz uso da identificação projetiva,
depositando na mãe todo o terror que o assola.
Essa mãe terá que usar toda a sua capacidade de tolerar tais sentimento um tempo suficiente para devolver mitigado. Este
será o trabalho de sua função alfa e a fundação do tempo psiquico. Quando
falhas ocorrem (e elas sempre ocorrem, estes sentimento de terror tornam-se insuportáveis
também para a mãe) são devolvidos prematuramente. O terror sem nome se instala,
e passam a ser matriz da parte psicótica da personalidade. Nesta fase é comum as mãe produzirem o que a
psiquiatria chama de psicose pós parto. São mães sem tempo interior para
metabolizar o terror.
Mas quando a função alfa
predomina, e a mãe consegue devolver aqueles sentimentos agora mitigados,
mediados pelo tempo, o bebê recebendo junto com o amor inerente do ato, a ideia
que existe efetivamente um objeto que tolera a frustração. Cria-se o tempo criando
o pensamento. Criando tolerância. Neste processo o bebê percebe que existe um
objeto que tolera a frustração e que ele pode introjetar o tal objeto de tolera
a frustração, matriz de parte não psicótica da personalidade.
Porém este sonho materno,
para obter certo grau de êxito necessita que na mente materna haja a ideia do
amor por um pai e amor pelo bebê. Esta imagem internalizada na mente materno na
qual se fusiona o sonho oferece a ideia de algo fora, é a primeira noção de mundo. Há neste sonho um algo além, um mais
além da mãe, um pai, um social, um mundo que o bebê antevê no sonho materno. A
ideia pai como a primeira noção do social imbricada na pré-concepção.
Todo este processo,
simplificado nesta apresentação, gera o pensamento que vai mediar o tempo. Sendo por esta via o pensar como um modo de
criar o tempo e implica no estabelecimento do pensar primitivo.
Nas Transformações verificamos
como a identificação projetiva distorce os objetos. Uma citação de Melanie
Klein sobre a distância que a identificação projetiva joga os objetos fez Bion
pensar as transformações em movimento rígido, projetivas e alucinose. Além de
transformações em K e em O. Foi feita
por ele uma abordagem a partir da perspectiva do espaço.
Em Novas Leituras, Chuster e
colaboradores, estudamos a obra e Bion incluímos a importante perspectiva do tempo
em cada modalidade de transformação e suas repercussões como indicadores
clínicos.
Exponho aqui de forma
sintética devido a brevidade do tempo de exposição.
Nas TMR o que observamos é
um tempo circular. O passado explica o presente, indo e vindo em grandes
círculos. Apoia-se na interpretação
freudiana da transferência. Onde fac-símiles do passado que se repetem
na situação analítica. Clinicamente o paciente esta falando do passado quando
fala do presente e do presente quando fala do passado. Há quase uma ilusão
explicativa. As palavras tem grande valor e servem de mediadores. Porém importa
destacar que o passado não tem valor por si só, pois seu poder reside na presentificado
e apresentado carregando o afeto. Aqui temos o tempo do a posteiri, a
ressignificação, trabalhado por Bernado Tanis.
Nas TP temos o tempo
oscilatório. Estamos no âmbito da identificação projetiva e estamos frente ao
legado de princípios kleinianos na interpretação. A narrativa é oscilante,
misturando tempo e espaço. Ora a narrativa faz sentido e significado, embora
obscuro, pois ocorre em outro lugar, ora no corpo do paciente, ora no corpo do
analista. As palavras estão mais perto dos atos, cedem lugar para o soma formar
uma narrativa. Sono, fome, excitação e outros sentimentos primitivos podem
aparece no campo. O não-dito satura o campo no sentido e obturar o pensar e o
tempo. Palavras proferidas podem ser convites ao analista para atuar. Tempo regido
pela identificação projetiva se transforma numa tentativa frustra de comunicar
e fazer surgir no corpo do setting analítico o não-dito e talvez o impossível
de representar.
Nas TA temos uma narrativa multitemporal.
Quando o paciente fala e não sabemos se o discurso narrado aconteceu ontem ou
há dez anos ou se é um desejo de realização futura. O narrado é como um
palimpsesto como muitas marcas sobre o mesmo papiro. Lembra os personagens de
Beckett tentando lembrar que dia é hoje. O tempo das alucinose trás a tona o
falso, a premissa falsa, a confusão. O analista se queda exausto de tanto fazer
força para permanecer na sessão. Narrativas que suprimem o tempo, confundem o
paciente e o analista, narrador sem saber o que narrar deixa e o analista no
vácuo do tempo/espaço, buraco negro da alma. O trabalho se dá na articulação
do falso com a verdade possível da
palavra não-dita.
TK é tempo linear ou
referencial. É onde conhecimento se organizado
em um saber. Aquilo que muito bem assinalado por Tanis no seu texto, pois uma
analise embora restitua a sequência de fatos e eventos psíquicos, não é uma
anamnese, para usar um termo medico. Não é colocar a vida num timeline de
editor de vídeos. É uma invenção, mais além dos fatos. O tempo linear serve de
guia para ser abandonado durante o processo. A transformação em K sofre a
restrição de ser excessivamente racional, carece de afeto. Mas ao mesmo tempo é a porta para a
Transformação em O.
Nestas, TO, o saber adquirido
absorve o status de sabedoria. Surge um tempo transtemporal, tempo no qual as
experiências emocionais armazenadas podem ser conclamadas e novas podem ser
criadas. São experiências vividas permanecem guardadas, elementos alfa, poesia
condensada, emoção em pacotes que se armazenam dentro da mente-corpo, na alma, prontos
para serem evocados. O saber é conteúdo e forma e, guardado na forma de
sabedoria, prescinde do próprio saber e passando a saber sobre o sabido.
Para encerrar retomo o
conceito de tempo da cesura. Um instante trágico que separa o antes do depois e
cria o agora. A passagem de um estado emocional para outro. O transitório e a transitoriedade. A passagem
de sucessivos estado emocionais marca o relógio do afeto. A interpretação neste sentido é sempre uma
cesura, mais do que reorganizar o passado, movimenta o presente na alternância
de estados da alma, de estados da mente, humor transitivo e intransitivo que
nos recorta e nos evolui. A interpretação psicanalítica é o corte do trágico na
dolorosa monotonia, melancólica e depressiva dos nossos tempos.
Concluo então que o
pensamento se realiza não apenas na postergação da ação embora esta seja um de
seus atributos, mas na soma de sentimento que por sua vez se somam a prudência
de agir, formando o que é conhecido na
obra de Bion como os três princípios de vida, pensamento que se torna o coração
do tempo. Tempo aqui é criação do pensamento, do dentro e fora e o pensamento se
torna o coração do tempo.
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