A INVENÇÃO DA JUVENTUDE


A INVENÇÃO DA JUVENTUDE 
Balada de uma geração 

 

Texto de Júlio Conte apresentado na 
Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre. 


A IDÉIA DA JUVENTUDE 
A idéia de falar sobre BALADA DE UMA GERAÇÃO no primeiro momento foi extremamente atraente e aparentemente fácil. Pensei num depoimento, num resumo da imersão feita na criação da peça Bailei na Curva, no modo a explicitar e desenvolver cada elemento artístico, o modo como foi extraído de pequenas situações vividas. Porém isso tudo está no blog dispositivo cênico e não me senti estimulado em repeti-las, pois corria o risco de imitar a mim mesmo e isso é ainda mais lamentável do que imitar os outros. Então, frente a este impasse, deixei minha mente passear pelo tema. Na medida em que percorria penumbras associativas me enveredava por ruas desconhecidos e me vi sentado no muro da esquina da minha rua. Neste instante me veio um pensamento que resolvi chamar de invenção da juventude

Assim como a infância que apesar de existirem crianças desde o inicio da humanidade e provavelmente foram responsáveis por sentimentos de solidariedade, cumplicidade e parceria ingredientes que criaram o social, a infância não existia do modo que se conhece hoje. A idéia geral era de que ser criança significava era um adulto pequeno. Ao que tudo indica este processo de que a criança era um ser especifico e não um projeto não acabado, começou a se pensada na Idade média. Na antiga Grécia havia um longo aprendizado ofertado aos jovens até se tornarem cidadãos. Mas pouco se sabe sobre as crianças. Muitos anos se passaram até que se pensar que o homem pequeno não era um pequeno homem. Esta premissa de que a infância é uma invenção humana me fez pensar que a juventude também o seria e, portanto teria que ser inventada.

A BOMBA ATÔMICA E O NOVO MUNDO 
A seqüência de eventos que culminou com a invenção da juventude, do modo como se conhece hoje, começou com as Guerras Mundiais. Pela primeira vez o homem viu seus filhos frente a um processo de destruição em massa que consumiu milhares de vidas e a maior parte delas de jovens. 
Até então a hierarquia familiar sofria de um idealismo positivista com papeis estanques e funções pré definidas. O jovem era um adulto que ainda não crescera. Via-se isso na forma de se comportar, de vestir, de pensar e sonhar. Esse positivismo que se espalhou pelas ciências inclusive a psicanálise. A sedutora certeza de que fazendo tudo corretamente, 2 
sendo um bom rapaz, obedecendo aos pais, usar roupas decentes, tudo, tudo, tudo iria dar certo. 
Porém este idealismo foi afetado de modo irreversível pelas guerras e em especial pelo uso da Bomba Atômica sobre Hiroshima e Nagazaki. 
Os megatons da bomba atômica abrigaram a um desdobramento com a criação de um novo espaço mental.

Wilfred Bion escreveu que no lugar onde o seio estava encontramos a depressão. Podemos imaginar o significado desta frase quando olhamos fotos da imensa cratera que se formou ao retirar os escombros do Wold Trade Center. A bomba atômica mais do que matar massa, abriu uma cratera na mente humana.

A partir da destruição e essencialmente do esfacelamento da esperança surge a geração perdida do entre guerra. Usaram a música, essencialmente o jazz, e começaram o consumo de drogas como até então não as havia visto na nossa civilização, em especial o álcool e a heroína. Era uma geração sem futuro cuja única ambição era passar a noite se divertindo até que o dia amanhecesse e antes que mundo acabasse. Juntamente com este processo de enfrentamento da morte em massa, ocorreram mudanças sociais na qual as mulheres tiveram que assumir papeis até então exclusivos de homens. Temos ai o germe do feminismo, da busca de igualdade dos gêneros e do direito a sexualidade, ao amor e a felicidade.

AS PSICANÁLISES E SUAS INFLUÊNCIAS 
Na psicanálise também teve seus anos bélicos que resultaram em divisões no movimento. Freud, no período de guerra, sai de Viena acossado pelos nazistas e vai para Londres onde vem a morrer no ano seguinte. O fim do criador e começo de outra era.

A psicanálise inglesa sob a influência de Melanie Klein carrega em sua nomenclatura os paradoxos do momento histórico. Seus conceitos estão impregnados pela corrida atômica. Cisão, fissura, projeção, mísseis e destruições. Isso sem falar da pulsão de Morte. No outro lado do Canal da Mancha, na França a psicanálise entra no social através dos Surrealistas muito mais do que pela medicina. A figura especial André Breton que estudou medicina por pressão familiar, mas junto com outros artistas aplicou a as teorias do inconsciente na produção artista, em especial, na criação da escrita automática. Esta era o parente estético da associação livre e vai influenciar diretamente a Beat Generation que vai revolucionar o mundo no final dos anos 50 e inicio dos 60 de forma absolutamente inusitada. Esta dupla vertente a guerra e a arte criam as condições da criação ou invenção dessa juventude.

O PÓS GUERRA E A NOVA GERAÇÃO 
O mundo pós guerra se caracterizou pela cisão entre esquerda e direita. O capitalismo representado pelo modelo americano versus o comunismo sob o comandado da URSS. Era a cortina de ferro que se fechava sobre o mundo claustrofóbico. O conflito espelhava de modo absoluto e absurdo a dicotomia entre vida e morte, entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, criando no espaço do pensamento, um universo maniqueísta, uma simplificação que não cabia na mente humana a não ser com grandes doses de negação e escotomia. Jovens do mundo inteiro se defrontaram com este mundo estático, estável, imutável e separado por um muro de concreto. O bombardeio de informações absolutistas e autoritárias veiculadas nos sistemas ideológicos de propaganda de lado a lado, contribuíam para o emburrecimento geral das nações. A interface mental extraída deste modelo político se expandia para pensar cotidiano produzindo radicalidades. Para os adultos, mergulhados na trama dramática que visava o poder a qualquer custo, o mundo era coerentemente normal. Mas para as mentes da insipiente juventude que começa a se formar num universo de complexidade, este mundo tinha muito pouco sentido, pois não acolhia as contradições, nem os paradoxos e nem toda a sorte de questionamento e desejos visando à subjetividade e a apreensão do individuo. 
Além disso, a Guerra Fria colocava a idéia de um ponto final na existência do planeta. A juventude podia pensar que se os adultos estragaram tudo, por que eu nós, justamente nós, filhos desta noite, vou pagar esta conta? Me parece que esta era a questão que permeava as mentes de jovens do mundo inteiro. E ainda sem que as feridas das Guerras Mundiais estivessem cicatrizadas sobreveio a Guerra do Vietã atualizando o fantasma da destruição em massa no ponto nevrálgico. Jovens estavam sendo trucidados num embate que não era deles e nem ao menos se sabia as motivações. Vietã era a pedra que faltava no sapato do pensamento. Gerou conseqüência. Uma delas pode ser pensada na criação do Rebelde Sem Causa, filme cujo ícone foi James Dean. No filme, que no Brasil recebeu o título de Juventude Transviada, vemos um rapaz tratado como um menino que se defronta com a morte em racha de carro. Na primeira cena do filme, ainda enquanto vemos os créditos passando, encontramos o personagem no chão, bêbado, brincando com uma espécie de ursinho de pelúcia. Não havia ainda o espaço da adolescência e o salto da infância para idade adulta era evidente e cheio de sofrimento sem nome ou sem causa. Ali, na primeira cena, se criava a idéia que havia algo entre que não se sabia. Foi o primeiro passo na invenção da juventude: a falta de sentido. O defrontar com um continente vazio ou potencial.

REBELDE SEM CAUSA E COM CAUSA 
Se James Dean foi o ícone do rebelde sem causa, Ernesto Che Guevara representou a busca de uma causa. Mesmo nascido na Argentina, Che Guevara assumiu a causa cubana 4 
e transformou Cuba dos anos 60 no paradigma de enfrentamento ao poder estabelecido. Num embate entre Davi e Golias, Che e outros jovens rebeldes, colocaram seu nome na história dizendo que a juventude tem poder e cabe a cada um buscar suas causas. A foto de Che com a boina e o olhar penetrante no futuro é uma das fotos mais populares do mundo. Mesmo hoje quando o sistema cubano já caducou, a imagem de Che é vista em campos de futebol como símbolo de resistência e luta. A marca do engajamento fez de Che uma personalidade impar na iconografia da juventude mundial. Temos então mais um elemento a definir a invenção da juventude: a causa ou a falta dela.

FAÇA AMOR E NÃO FAÇA GUERRA 
A falta ou excesso de causa colocou a juventude do mundo frente ao prazer. Dezenas de andarilhos da beat generation atravessaram estados americanos, cidade por cidade, com cadernetas de anotações e com muita benzedrina na cabeça, e usando a escrita automática surrealista, anotavam as impressões de um mundo sem sentido, cuja solidez se desmanchava no ar de suas próprias contradições. A carona, o transitório, o improviso do jazz regado a heroína de Miles Davis e Charlie Parker faziam os neurônios dançarem criando novas sensibilidades. 
Quando um jovem caminhoneiro de nome Elvis gravou um compacto para dar de presente para sua mãe ainda nos anos 50 ele contribuiu para a criação de um conteúdo que falta para preencher o continente potencial da recém inventada juventude. O rock and roll. O Rock foi uma evolução do ritm and blue que por sua vez era descendente do jazz. O novo ritmo, com novos poetas, criaram a nova geração. 
Uma geração que não queria mais lutar em guerra alguma. Não queria morrer por uma causa qualquer que fosse. Preferia fazer amor e não guerra. O momento mágico ocorrido quase ao acaso marcou o mundo tanto quanto a queda do muro de Berlin. O Festival de Woodstock ocorrido entre 15 e 18 de agosto 1969 foi o marco que faltava para a invenção da juventude. Quando Jimi Hendrix abriu sua participação com o hino nacional americano, com os sons distorcidos de sua guitarra como a lembrar as bombas, mísseis e napalms despejadas sobre a população no Vietnã, ainda não se sabia, mas a juventude estava definitivamente inventada e um novo modelo de jovem se desenhava. A idéia de um jovem como uma ante sala da vida adulta foi detonada pelos decibéis da guitarra de Hendrix. 
O novo espaço da juventude incluía o amor livre. Uma designação um tanto redundante, mas que tinha a repressão sexual como alvo a se desmontado e a busca incessante do prazer. Os continentes abertos pelas sucessivas explosões laceram as estruturas enrijecidas tornou-se imperativo a busca de novas formas de relacionamento e novas formas de prazer. Uma nova concepção de mundo se anunciava. Por outro lado, 5 
anunciavam também a fantástica associação entre a juventude a morte. As drogas que ocuparam seu papel de liberar espaços mentais e corporais também levaram Janis, Hendrix e, muitos anos depois nossa Elis, entre outros, anônimos e menos famosos. Ainda não se sabia das conseqüências do uso de LSD e maconha na mente humana como se sabe hoje. Nem a influência comercial de um segmento que se tornou uma indústria imbatível. O mundo lisérgico que embalou o “paz e amor” não tinha idéia das seqüelas nem da criação deste indesejável vizinho, desta eminência parda no poderio comercial do mundo: o tráfico de drogas.

SONHO BRASILEIRO ABALADO 
No Brasil fruto do sucesso da Revolução Cubana onde jovens tomaram o poder e associado à paranóia anticomunista que polarizava o mundo, vivemos o golpe militar de 64. Não foi um fato isolado, uma vez que toda America Latina estaria supostamente sob influência dos ideais esquedistas, portanto passiveis de intervenção. Golpes de direita solaparam a democracia e colocaram mais pressão sobre a hierarquia social estanque. A classe média, mais esclarecida e politizada, tentou resistir e fazer aquilo que o operariado brasileiro um tanto insipiente e sem acesso aos meios de comunicação marcados pela censura, não podia fazer. Jovens universitários e secundaristas foram a luta armada tendo como modelo a revolução cubana e a chinesa. Não estavam preparados para tal empreendimento e por isso, com raras exceções tiveram algum sucesso. Pode se ver na ilusão da luta armada, o massacre de uma geração. 
Uma parte da sociedade que não participou da luta armada, permaneceu alienada. Outra o fazia engajando-se a arte. Proliferaram no Brasil, os Festivais da Canção, usando um modelo televisivo de Woodstock, tornaram se palco de protestos e reivindicações. Ícones desta geração foram Geraldo Vandré, Chico Buarque, Caetano Veloso, Tom Jobim, João Ricardo, Mutantes e Gilberto Gil. O status quo autoritário de certo modo favoreceu a produção artística e sedimentou a identidade nacional como uma forma de revolta contra o pode estabelecido. O slogam paradigmático do “ame-o ou deixa-o” foi o recado mais que perfeito deste momento que sedimentou a idéia de uma juventude que não estava disposta a fazer concessões. Não deixa de ser irônico que o amor neste contexto foi evocado para sustentar o poder autoritário. Porém, quando no exterior começaram as denuncias de tortura no Brasil principalmente através da CNBB a pressão externa sobre a ditadura militar se viu obrigada a ceder, não sem antes ter consumido centenas de corpos e mentes jovens, cheios de idéias e ideais, deixando como herança uma sociedade mutilada por um pai padrasto que que impor amor a força. O poder paterno representado pelo estado que deveria ter a aquiescência popular sofreu a perversão do usurpador que se abate sobre gerações.

A REDEMOCRATIZAÇÃO E A REDE 
Com a redemocratização a geração dos anos 60 demorou a achar um caminho. Um dos meios descobertos durante as guerras mundiais, a internet, passou a ser uma forma predominante de comunicação e troca de informações. A conseqüência foi a criação de um mundo globalizado e de uma transito nunca visto antes na história da humanidade. As redes de relacionamentos e trocas de informações conectou o mundo incluindo a nova juventude já nascida sob outro regime. No sistema democrático o diálogo é um exercício complexo e envolve boa dose de tolerância a frustração. Não é mágico, nem o mar de rosa que sob o mau tempo da ditadura se sonhava. Democracia é um trabalho árduo de reconhecimento de diferenças. Nestes percalços o futuro tomou ares de objeto sombrio. A corrupção em diversas esferas, um fenômeno globalizado, a iminência do fim de recursos naturais, as alterações geopolíticas e revoluções do corpo e comportamento fizeram do homem contemporâneo um aprendiz de si mesmo. Um Édipo desgastado a busca de atualização do autoconhecimento. Uma resposta reversa faz com que ser jovem que antes era um estágio para a vida adulta, agora é um ponto de chegada. Juventude passa a ser o paradigma ideal e estético que aparece repaginado em academias, musculação, cirurgias plásticas, roupas, modo de se vestir, modo de falar e ser, tudo remete ao mundo ideal representado pela juventude ou ser jovem. Se antes jovem era o caminho do ser adulto, hoje ser adulto é uma busca desesperada da juventude. Em sua forma e conteúdo. Porém, como um vírus atenuado das vacinas, a juventude perdeu sua virulência transformadora e se tornou um objeto de consumo. Caro é verdade, mas acessível às classes dominantes que, no inicio da invenção da juventude, eram o alvo preferido dos questionamentos. Desse modo, podemos pensar que uma nova volta da elipse se aproxima, porém, como vicissitude de todos os mortais, não sabemos ao certo o que nos espera. Aquela esquina na qual estava sentado no muro, balançamos as pernas enquanto sonhávamos como o futuro, não existe mais, e guarda uma sombra do não vivido. O ainda a viver. E a confusão é que não sabemos se a resposta está no futuro ou no passado. 

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