SAINDO DO LUTO
Depois de um bom tempo absorvendo as perdas, inevitáveis,
mas sempre dores inexploradas, resolvi voltar a escrever. Escrever sempre foi
uma forma de cura. Além disso, nestes meses de poucas e pífias postagens, as
estatísticas caíram drasticamente como a reflexo do meu desanimo. O leitor,
sempre sensível e esperto, lê nas entrelinhas que algo bate fora do ritmo. Percebe
o coração a atravessar o samba e com isso perco preciosos pontos no quesito
Bateria. Nesta horas, como agora, chama-se o Mestre Sala e a Porta Bandeira,
injeta um anel de animo na comunhão de propósitos e temos a Escola novamente na Avenida em direção a
Apoteose. É a vida, ou poderia dizer também que é a morte. Tanto faz, os lados
da moeda da vida giram ao acaso até encontrar o chão. Enquanto isso a fila
anda, o mundo gira, a vida é assim e mais um milhão de frases prontas que são a
únicas que se podem usar nestas horas que o inevitável bate a porta e entra sem
ser convidado.
Saindo do luto, vou ao teatro assistir a leitura de uma peça
de Julio Zanotta. Minha admiração por ele vem de longa data, essencialmente
porque ele é referencia no teatro gaúcho, mentor intelectual da primeira
formação do Grupo Ói Nóis Aqui Traveis. Lembro que estava na fila da matricula
no prédio básico da UFRGS ali na Ramiro quase esquina com a Ipiranga quando
alguém ao meu lado falou de um “teatro com pedra nas veia”. Ali na outra ponta
da Ramiro Barcelos, no lugar onde antes havia uma sauna, nasceu o teatro que
mudou a história de Porto Alegre. A Felicidade Não Esperneia Patatipata e outra
que agora, no calor do afeto, mas escapa. Acho que era A Divina Proporção. Zanotta tinha uma texto radical,
essecialmente ferino, brutal. E a encenação fazia coro com a proposta. O espaço
cênico era protegido por arame farpado que ficava na altura do olho do público.
Lembrava disso quando comecei a assistir Ulisses No Pais das Maravilhas.
Leitura que integra o ciclo de homenagens ao dramaturgo. Peça tem uma estrutura
inicialmente clássica. Um espaço único onde mora Ulisses, decadente e caótico,
que recebe a visita de uma jovem manifestante. O tempo todo, escuta-se o
movimento da rua repleto de manifestações e protestos políticos. Ulisses está
envolvido com crack e ela com a política. Uma forma semelhante a que foi muito usado no
final dos anos 70 por autores como Antonio Bivar, Zé Vicente, Timochenco, no
qual personagens encerrados em ambientes clautrofobicos piram e enlouquecem
enquanto, do lado de fora, o Brasil marchava para o mundo sem saída da ditadura
militare. Representavam o universo micro
para uma reflexão, indignação e recusa do macro acachapante. Textos que se
diferenciavam dos dramas de Plínio Marcos pela recusa ao naturalismo que o
caracterizou, mas mantinham as unidade dramáticas análogas. Zanotta por sua
vez, não se submeteu a nenhum dos autores acima, pois em que pese a estrutura
semelhante o resultado é completamente diverso. Julio Zanotta é alegórico,
irônico, debochado e niilista. Em sua originalidade, não paga pau pra ninguém.
A primeira surpresa é que mesmo Ulisses seguindo aquela
opções dramatúrgicas, tem algo especial, pois ao ser atualizado recebeu uma
validação da história. Um texto que sobreviveu ao tempo e com isso mostrou toda
vitalidade. Zanotta subverte a loucura dos personagens que se dividem, se
contradizem, se auto subvertem. Estão em luta consigo mesmo. E com isso, de
atualizar questões, criam diálogos internos, monólogos cruzados revelando
mundos aparte. Precursor de personagens marginais
que habitam o palco pós-moderno, Zanotta é mais esperto do que os pós-dramáticos
fundamentalistas. Pois com pequenas atualizações os personagens nos são tão
estranhos quanto familiares. Impressiona que o texto de Zanotta se mantem de pé,
depois de tantos anos, até ontem quando assisti, podia ser visto como um
baluarte contra o status quo da dominância estética contemporânea.
Essencialmente porque traduz o mundo original do autor. E me levou a pensar que
a moda e os modismo estético são produtos da cultura, porém apenas a permanência
é a grande arte.
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