FELICIDADE - PARTE 1

Texto apresentado no encontro do


CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTCOS DE PORTO ALEGRE.



DEBATE SOBRE A FELICIDADE EM TEMPOS DE CRISE. Junto comigo na mesa estava meu amigo e publicitário Alfredo Fedrizzi e a jornalista Claudia Laitano. Foi uma noite mágica. Abaixo, em duas partes o texto que apresentei.




Duas noites atrás acordei com um sonho indigesto. Sonhei que estava em cima de uma árvore. No inicio brincava. De repente, vejo outras pessoas ágeis, trapezistas ao estilo do Circo de Solei se movendo com desenvoltura no ar. Saltos mirabolantes que contrastavam com meu medo e determinaram uma imobilidade. Assim me agarro ao tronco da árvore. Penso em descer, mas percebo que estou muito alto e qualquer gesto imprudente pode ser fatal. Um imenso vazio sob meus pés.
Relutei muito em revelar este sonho, pois imaginei toda a sorte de interpretação que um grupo de psicanalistas reunidos poderia fazer. Pensei que o sentido dos sonhos, a quantidade de hipóteses interpretativas, em si mesmas obscuras mesmo para uma análise estabelecida, apresentadas em forma bruta frente a uma platéia treinada seria um prato cheio na medida em que como todo sonho revelaria intimidades e me colocaria no contexto da agressividade, da rivalidade ou apaixonamento. Pensei, em não falar nada sobre isso e fazer um Power Point. Agora é tarde, o sonho venceu e comecei a escrever.
Toda a vida de um analista é marcada por pequenas e importantes decisões. Quando interpretar, quando calar, quando sorrir. O que dizer, como dizer, quando dizer. Em algum momento na vida de um psicanalista há que se fazer uma interpretação e, dentre muitas possibilidades, escolhe-se uma com a qual se realiza a interpretação. Essa escolha nem sempre é acertada, mas o que nos consola é que nada mais enfadonho e ariscado do que uma interpretação acertada, uma vez que o âmbito desta é a incerteza e da indecidibilidade. Interpretações certeiras são obras para analistas perfeitos aplicarem em pacientes perfeitos.
Enfim, o sonho. Sonhos são realizações de desejos com Freud tão genialmente sustentou e disso quase ninguém que exerça a psicanálise duvida. Tem a força de um desejo, portanto o que difere é como vamos entender isso e modo como vamos utilizar tal conhecimento. A técnica determinada pela teoria. E a teoria determinada pela experiência, e a experiência determinada pela capacidade de aprendizado emocional. O sonho realização do desejo e do infantil, do reprimido, do sexual que orbitam o objeto psicanalítico e suas vicissitudes. Sonho Principio do Prazer. O paradigma freudiano se coloca sobre esta perspectiva. O principio do prazer é a regra básica do funcionamento psíquico, embora não seja único, é essencial e mandatório. A satisfação está na realização deste preceito. E a satisfação é o parâmetro da felicidade.
Meio chato falar assim. Seria melhor pedir ajuda ao poeta Vinicus de Morais,

Tristeza não tem fimFelicidade sim
(Opa, felicidade de Vinicius e Jobim começa com tristeza?)

A felicidade é como a gotaDe orvalho numa pétala de flor

(Putz, olha o sol, derreteu o orvalho.)

Brilha tranquilaDepois de leve oscila

(la é transitória!)

E cai como uma lágrima de amor

(i, ai ai olha a melancolia ai gente!)

A felicidade do pobre parece

( que é isso? A questão social!)

A grande ilusão do carnaval

(lusão passageira?)

A gente trabalha o ano inteiro

(Ganharas a vida com o suor do rosto )
Por um momento de sonho

(Virada do século em Viena )

Pra fazer a fantasia

(Função social?)

De rei ou de pirata ou jardineira

(Personagens que encarnamos?)
e tudo se acabar na quarta feira

(Acordei!)


Pelo viés da poesia a felicidade se apóia no contraste, no amor, na ilusão e na fantasia. Em 1930 foi publicado em Viena um texto de Freud que inicialmente teria o nome de “A Infelicidade na Cultura”. Simultaneamente a tradução inglesa da mesma obra sugerido pelo próprio Freud foi de “O Mal Estar do Homem Na Civilização” até que a tradução chegou ao título consagrada de “O Mal Estar Na Civilização”.
Neste trabalho de Freud sustenta uma tese basilar de nossa civilização qual seja que ela – a civilização - se constitui sobre renuncias instintuais. Freud defende com isso, um sistema de permuta social onde o indivíduo tem que negociar com a sociedade sua satisfação. Negado o gozo total do pai primitivo, a satisfação é rateada entre os membros da comunidade. Uma vez que não se pode ter o gozo absoluto, a sexualidade e a agressividade tem que ser negociada com a finalidade de preservação. Os prazeres sexuais e agressivos desgarrados do conjunto representam um risco para o sujeito e para o establishment. A auto-preservação cara a cara com a autodestruição. Senhoras e senhores, temos uma venda casada. Quem dá mais, lance mínimo, o pacote da satisfação vem com o sofrimento acoplado, sentimento de culpa e necessidade de punição. A ameaça da perda do amor dos pais determina a renuncia pulsional e produção de outra instancia encarregada de preservar a restrição. Entra em cena o famigerado superego que independente da nomenclatura política tem a função de um observador crítico sobre o sujeito, um segundo pensar ordenado sob óticas introjetadas de figuras paternas e representantes do social arregimentados pelo sadismo. Neste ponto o sujeito já convive com um sistema espectral, pendular, que oscila no vai e vem entre o narcisismo e o social-ismo. Porém, tem um M, o more do objeto psicanalítico de Bion, um algo a mais, algum elemento inesperado, a marca da complexidade que acompanha todos o seres vivos. A assim, o sistema de permuta sofre, mesmo quando ganha. O mal estar da renuncia, assim não dá pra ser feliz. O sujeito inserido na civilização nunca mais fará uso de seus instintos mais profundos de maneira livre, direta e absoluta. Quem inventou isso? A realização ou será parcial ou terá desviado do seu objetivo. Deste modo todo o prazer passa a conter uma dose de sofrimento, toda a satisfação carrega o mal estar e a toda submissão traz de carona a rebelião. A civilização passa a ser o alvo contra o qual o sujeito ataca de modo total ou parcial. O homem sonhado tem que lidar com este equilíbrio precário. E qualquer desatenção, faça não, pode ser a desmedida, a hybris que desencadeia o ciúmes divino, a nemesis. Esses deuses invejosos não podem ver ninguém feliz. Depois falam da Melanie e a teoria da inveja. As crianças nada mais fazem do que imitar os deuses.

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