QUINTA PROPOSTA
No último dia do ciclo CINCO PROPOSTAS DE NÃO SE ADEQUAR A VIDA COMO ELA É, poderia ter sido um como todos os outros. Os palestrantes falariam, o público fariam perguntas, haveriam respostas cheias de novas perguntas e as nove horas da noite, todos iriam para casa. E dormiriam porque amanhã seria sábado. Mas quem esteve na sexta foi apanhado de surpresa como convém ao pensador que se defronta com um pensamento original e desconcertante. Um ciclo que debate propostas para não se adequar, fala do princípio da incerteza, a invisibilidade do amor, o inominável e a utopia. que toca em temas como a intuição, a reconcilhação e os sonhos não poderia terminar num formato corriqueiro. Pois tradicional é a vida como ela é. Por isso, na entrada, a platéia já foi recebida numa nova configuração de sala. Três cadeiras centralizadas e o público ao redor, ocupando o espaço do palco e próprio palco em configuração de arena. Tudo bem por enquanto. Um ambiente mais intimo, pensariam alguém, maior proximidade entre as pessoas, diria outro, mas nada demais concluiria. Porém, ao dar início, todas as luzes se apagam. Surpresa. O público permanece mergulhado na escuridão. Depois começam a ouvir Vapor Barato de Macalé com letra de Waly Salomão. Cabe lembrar que "não se adequar a vida como ela é" veio de um poema de Waly. Depois de breve período de música e escuridão, a luz se abre e vemos fortemente iluminadas as três cadeiras, vazias. Os palestrantes estão, como se verá a seguir, misturados no público. A música termina e temos mais um longo tempo de silêncio. Então eu, que estava misturado no meio do público, faço a primeira pergunta para o palestrante e psicanalista Júlio Conte. A seguir Edson Souza tece consideração sobre o ciclo de palestras falando da perspectiva do espectador e faz uma pergunta para o psicanalista Edson Souza. Escuta-se a voz do Abrão fazendo comentário sobre a performance do psicanalista Abrão Slavutzky. E mais ou menos assim se abre o última noite de debate. Vozes que interrogam cadeiras vazias. Perguntas endereçadas ao inominável. Silêncios sem respostas. O sujeito interrogando a si mesmo. O invisível sentado nas cadeiras escuta e nada responde. Tudo incerto. Onde está o palestrante onde está o público? Onde está o saber? Novas perguntas e novas idéias se chocam, sempre Júlio interrogando Júlio, Abrão perguntando para Abrão e Edson para Edson. Depois um tempo significativo as perguntas começam a ser endereçadas a platéia. E Marlene, uma das assíduas participantes toma a cadeira do palestrante e fala da sua experiência de vida e no ciclo de palestras. A seguir Boni, outro espectador toma a palavra. E o clima evolui e os participantes saem da escuridão em direção a luz. Sentam nas cadeiras dos palestrantes, usam o microfone. Falam. Se mostram. Se revelam. Começam a aparecer textos estruturados, poemas escrito estimulados pelos debates que poderiam restar em gavetas e arquivos do word para sempre, vem a tona ainda no calor da criação. Crônicas escritas na espectativa de um dia serem lidas, enviadas como garrafas ao mar, encontraram a escuta dos espectadores e o relato do autor. Encontraram respaldo. Relatos espontaneos e, a cada momento, as cadeiras vazias do palestrantes vão sendo sucessivamente preenchidas. E assim, várias vidas desfilaram, experiências. Humor, amor, reconcilhação do pensamento com a emoção. Eu ri muito, todos riram, eu me emocionei, todos se emocionaram. Todos nós percebemos que há força impressionante quando as pessoas se reunem para pensar. Abrem o coração para a diversidade. Uma mulher faz um depoimento e prepara-se para voltar ao seu lugar. Outra entra e toma a palavra. Ao sentir-se só esta pede a antecessora que permaneça junto. Fica comigo enquanto eu falo. A primeira senta-se ao lado e segura a mão. Solidariedade. Outro parece que não tem nada para dizer, ele mesmo afirma isso, mas a seguir conta coisas muito engraçadas, todos riem, temos uma festa. Um mais introspectivos cadencia suas preocupações. E assim a noite passa, todos colocando um pedaço de vida no relato. Um evento dionisiaco onde as idéias cruzaram o ar como faíscas na escuridão. No final, assumimos as cadeiras e fez-se o encerramento. Tudo diferente, como diferente ficaram todos que estiveram lá naquela noite.
Comentários
Sou fã de carteirinha.
bj