A MILÍMETROS DE MERCÚRIO

Pois bem, A MILÍMETROS DE MERCÚRIO estreou na quartafeira. Na verdade, como aqui é um espaço íntimo, posso confessar que a estréia foi quase um ensaio geral. Não é o que eu gosto, nem o que costumo fazer, gosto de estrear bem estreado, tudo no seu lugar para dar tempo de evoluir de um ponto além. Mas, o ideal é uma meta quase nunca alcançada. Está aí, já há um bom tempo, o platonismo a nos ensinar que as formas perfeitas são experiências antes do nascimento. Depois, na vida, temos que lidar com as imperfeições. O psicanalista W.R.Bion segue esta mesma linha quando sustenta que a verdade é inalcançável e dela só podemos tomar contato com ela através da imaginação. Assim, suportando o limite impresso por algo que nos sobrepõe, posso dizer que a estréia abriu um caminho em direção a algo que nos espera. No segundo dia, um pouco menos histérico, o clima emocional foi encontrando o lugar que lhe era devido. A peça tem um potencial incrível. Os atores estão num equilíbrio incrível. Não se poderia destacar ninguém o que é o mesmo que dizer que o destaque são todos. A narrativa eliptica, se esgueirando do realismo, oferece espaçopara a imaginação. As personagens se defrontam tragicamente com algo que as transcende e as supera. A coisa. Algo que ocorre que faz das personagens o contrário daquilo que elas sonharam para si. A coisa transforma as personagens em coisas. Desobjetializa, desenssibiliza, concreta a emoção e nos torna algo diferente do humano, do sonho humano, do sonho. As interpretações estão num nível impressionante. A cenografia do grupo é fantástica e a luz é condidata a prêmio, pois se destaca do senso comum.
Mas um ponto quero destacar, que talvez nem seja o mais importante, frente a exuberância das interpretações, mas como é recorrente no meu trabalho, me sinto na obrigação de falar. É a trilha. Não tem a vivacidade das trilhas ao vivo, mas tem um aspecto que merece destaque. O processo. Desde o início dos ensaios, a trilha faz parte das improvisações. Com meu notebook e milhares de músicas, vou testando ao longo do ano de processo criativo com o a grupo. Cada momento passa a se integrar e determinar a intepretação. A interpretação do ator diáloga com a trilha. A música não é para sublinhar, não vai sempre na mesma direção, a trilha é tensão. Como se o ator estive contracenando com a trilha. Emocionalmente. O resultado é que a rede sonora que conduz a cena entra em sintonia tensa com o ator desde o início. Daí que resulta, não numa trilha, não num pano de fundo para a ação dramática, mas um diálogo com a emoção do ator, a narrativa e o público. Acho que isso é um ponto tão essencial quanto o texto construido a partir de sonhos postados na internet por sonhadores anonimos. Sonhos estes que tivemos o cuidado de desenvolver, criar links de modo a imaginar o sonhador, uma vez que este é revelado pelo sonho.
A iluminação do Gabriel Lagoas trás novidades, assimetrias e diversidades. Poderia falar também da ambientação cênica proposta pelo grupo que favorece o clima onírico, remete a impressões sensoriais sem palavras como se estivemos frente a narrativas sem história. E o mais legal é que tudo se integra com uma hamonia sensível.
Concluindo, é uma virada nos meus trabalhos. O texto tem um carácter poético e a narrativa é mais emocional que que realista. E me sinto muito bem de enveredar por outras estéticas, já que a aventura teatral é como a vida, diversa e surpreendente e nossa mente confirma o que Shakespeare já afirmara de que somos feitos da mesma matéria que é feita os sonhos.

Comentários

Clenio disse…
Júlio...

não pude ir nessas primeiras oportunidades, mas certamente estarei aplaudindo em uma outra ocasião. Você sabe que sou seu fã.

Abração
Clênio
www.lennysmind.blogspot.com
www.clenio-umfilmepordia.blogspot.com
Anônimo disse…
como amigo e colega de palco, tenho no a milimetros de mercurio um divisor de aguas que me leva junto de julio a esse campo de enfrentamento dos padroes, tanto esteticos omo emocionais luminotecnicamente falando.

a proposta de se instruir do emocional de cada historia deixou a montagem aberta a propostas antes impossibilitadas de se trabalhar qdo o objetivo era mostrar a teatralidade em si.

é um novo projeto, um novo rumo, um caminho gostoso de se aventurar e confortável para se criar.

abç julio e parabens pela otima proposta vista em a milimetros de mercurio
Julio, eu gostaria muito de apreciar. Quando terei oportunidade?
JULIO CONTE disse…
Alessandra, tem apresentaçōes nesta quarta e quinta. Depois só ano que vem.
Clênio, vai lá que desjo saber a tua opinião!

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