Daniela Carmona & Adriano Basegio vencem mais um desafio
Assisti a Sonhos de Uma Noite de Verão, versão 2008, direção de Daniela Carmona e Adriano Basegio. Um trabalho sensacional e que vale a pena ser visto.
Divido com vocês algumas reflexões sobre Shakespeare e sobre a peça.
Para mim o teatro do bardo inglês pode ser divido em duas vertentes. A primeira é a poética, cada fala é uma poesia. E cada poesia é um quantum de verdade emocional que transcende ao tempo e ao espaço; o segundo é Shakespeare dramaturgo; ele faz as ações acontecerem, não perde tempo, faz os personagens agirem cheios de verve e vitalidade. Nada é desperdiçado. Tudo nele é pura ação dramática. Acontece que o casamento do poeta e do dramaturgo, nos tempos de hoje, nem sempre se realiza com eficiência. Muitas vezes se perde a ação dramática porque ele explica demais cada cena, a poesia repete aquilo que vemos e conta de novo. O resultado é temos a sensação de que a trama não anda no ritmo da fala e com isso a própria dramaturgia perde a sincronia. Vejo isso em muitas encenações. Vejo um hiato entre o modo de narrar e o que é narrado. O que e narrado e dez, é mil, é ação pura. O modo de narrar pode ser lido e na leitura é maravilhoso. Mas nem sempre o lido é o que se vê. Como todo mundo sabe que Shakespeare escrevia os seus textos na coxa, literalmente, anotava na sala de ensaio, ele era prático, as vezes roubava idéia de outros e fazia delas obras primas, fazia arte e ganhava muita grana com teatro, o que ele escrevia era para ser dito naquela hora, escrevia para o palco, para o público. Talvez tivesse uma vaga idéia que escrevia para a eternidade, mas eu duvido disso. Se ele pensasse que seus textos durariam tanto, que seriam referência para a humanidade, que seria o cânone essencial de Harold Bloom, que seria matéria de estudo da Bárbara Heliodora talvez não conseguisse ser tão genial. Acho que ele se preocupou tanto com o palco que sua poesia se eternizou pela qualidade de seu envolvimento com o material humano, e sua dramaturgia de mostras de ser eminentemente prática e efetiva para aquele momento e por conseqüência para as gerações futuras. Hoje, alguns textos carregam a poesia, mas atrasa o ritmo da ação dramática e nesta medida torna redundante a dramaturgia.
Daniela Carmona e Adriano Basegio escapam da armadilha da paixão reverencial. Eles se divertem com o texto. Transformam Shakespeare num parceiro, tomam a trama para si, se apropriam. Não endeusam o texto, pelo contrário, brincam com ele, acrescentam, cortam, atualizam e quando fazem isso o espetáculo deslancha, se desenvolve como poema e poesia. Fazem isso nas cenas da Floresta, de onde as fadas emergem de uma forma fantástica e envolvente; quando apostam na irreverência de Puk falando inglês; e quando colocam as fadas todas em cena quase todo o tempo. São momentos de enlevo, onde a poesia dramática se apóia na ação e nos encontramos envolvidos num universo que tem regras próprias. As regras do drama e da poesia. O problema para o meu gosto é quando temos as cenas dos amantes desencontrados. Nesta parte a história tropeça no texto, demora demais e é repetitivo. O publico já sabe o que vai acontecer e o texto segue contando aquilo que já sabemos e estamos vendo, torna-se por isso desnecessário. Aqui acho que faltou um pouco de audácia para desrespeitar o bardo inglês, transferir para a ação a troca de casais, daria mais efeito um tratamento menos ilustre, mais para uma comédia de costumes. Mas este fato não tira o mérito da encenação, pois não é problema da Dani ou do Adriano, mas sim de Shakespeare. (Desculpe aí, os puristas!) O caso é que esta parte da peça sempre foi um caroço para os encenadores resolverem. É parte chata da peça, o espectador - de qualquer montagem - nesta hora olha o relógio e se mexe nas cadeiras.
Mas isso não atrapalha o todo do espetáculo. O saldo já vem positivo das outras cenas. Por isso , Daniela Carmona e Adriano Basegio saíram bem do desafio, essencialmente porque não se submeteram ao louvor shakespereano.
O teatro é uma arte que só existe no momento, nem no passado, nem no futuro. Qualquer coisa a mais é louvor e louvor não cabe na cerimônia profana que é o teatro. Disso a dupla superou, embora teriam muito mais sucesso de fossem ainda mais fundo como autores.
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