A PERGUNTA

A NOITE de debates com o teórico alemão Hans-Thies Lehmann poderia ter sido melhor se a tradução funcionasse de forma mais ágil e dinâmica. Mas isso não invalida o memorável encontro de realizadores de teatro com o eminente pensador. Cada encenador teria oportunidade de fazer uma pergunta e assim foi feito. A iniciativa do Departamento de Arte Dramática, junto do Instituto Goethe e a Coordenação de Artes Cênicas foi muito bom, marcando como um dos momentos de maior felicidade para o pensar teatral da cidade. As perguntas obrigaram ao Professor a longa reflexões. É bom ver uma mente trabalhando criteriosamente na frente de todos e foi o que o Lehmann fez. Tirante certo clima de adesão inevitável em tais circunstâncias, as intervenções foram criativas e reveladoras tanto das teorizações que permeiam o pós-dramático quando, obviamente e também inevitável, dos perguntadores. Eu me senti traído pela tradução, pois não entrou na pergunta, ou pelo menos não apareceu na resposta do Professor Lehmann, a questão que permeia o dramático, qual seja, o sujeito épico do drama, e por isso, a resposta a minha provocação ficou restrita ao pré-dramático e sua relação com ator rapsodo listado como pré-dramático na pergunta. Mas mesmo que não houve falha na tradução, acho que o Professor iria pelo mesmo caminho, pois sua referencia citadas advém de pensadores franceses influenciados pela lingüística e o pós-dramático se caracteriza pela recusa da linguagem estabelecida. Minha questão se baseava em conceitos do psicanalista Wilfred Bion que enunciou a idéia de invariante e transformação. Bion desenvolveu um teoria do pensar quando a psicanálise se preocupava com a representação e a lingüística, por isso, ele coloca a palavra num segundo plano afirmando que palavras servem para confundir mais do que esclarecer. Afirma também que se alguma coisa sempre se transforma na experiência, ao mesmo tempo, algo permanece. Se tudo fossem somente mudança e fluxo, não se teria chance de reconhecer o pensamento após a transformação. Cabe lembrar que Wilfred Bion foi analista de Samuel Beckett. A minha questão era sobre o que remanesce no processo teatral, que vem desde a antiguidade, passando pelo sujeito épico do drama conceitualizado por Szondi, sujeito épico do drama, e chegasse no Pós Dramático do Lehmann. Mas infelizmente ele se prendeu na idéia de diferenciar o rapsodo do pós-dramático. Com isso se perdeu uma possibiliade rica de pensar na essência e na alma do teatro que permanece na teatralidade nossa de cada dia e busca sempre formas de se manifestar. Pois justamente aí, reside na minha opinião, a força do pós-dramática em desvendar esta invariante. E não na descrição pontual de um movimento. A idéia do Lehmann é melhor do que ele mesmo pensa.

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