PANTERA QUEM DIRIA VIROU SÉRGIO SARAIVA


No ano 74 eu freqüentava a turma B da noite no Mauá que disputava o título de melhor cursinho com o IPV. A turma era a elite, a reunião dos melhores alunos dos melhores colégios da cidade. Anchieta, Militar, Israelita e Aplicação. Era para ser a nata da nata donde sairiam os primeiros lugares no vestibular unificado e serviria para desbancar o cursinho rival. O tiro saiu pela culatra. Era a turma mais bagunçada do Mauá. Muita aprovação, inclusive uma surpreendente, a minha. Mas aos vencedores, batatas.

Na porta da sala de aula havia um porteiro cuja função era verificar se o aluno pertencia àquela turma e conferir se as mensalidades estavam em dia. Tinha o peculiar apelido de “bastante”. Segundo os professores o apelido era porque para passar o dia naquela função tinha que ter bastante saco. O “bastante” da turma B da noite era o Pantera. Tinha os cabelos longos, rosto comprido, um bom papo e aproveitava o tempo para ler e estudar. Meio hiponga no vestir e tinha uma flautinha da bambu. Ah, e acho que uma bolsa boliviana cruzada sobre o ombro. Na saída do cursinho que ficava na Praça Dom Feliciano, com freqüência saiamos todos juntos depois das aulas, já tarde da noite e o Pantera acompanhava. Lembro que uma festa em Petrópolis que pedimos para que ele tocasse a flauta. Era madrugada e todos estamos um pouco altos, chapados até os dentes. Ele pegou a flauta, ameaçou tocar e parou:
- Não dá para tocar a essa hora. Porque o som na madrugada vai longe...
Fiquei pensando no som subindo na noite, percorrendo as janelas, invadindo os quartos, acordando os adormecidos, despertando os alienados, sacudindo a mesmice.
Nunca mais vi o Pantera.

Até que ele apareceu no orkut. O nome verdadeiro dele é Sérgio Saraiva. Ele recorda tudo que a nossa geração viveu. Um verdadeiro repórter do nosso tempo. Coerente com sua trajetória passou pela Europa, por aí, por lugar nenhum e parou em Garopaba onde trabalha na rádio. Você pode acompanha-lo pelo Repórter +1.380. Ganhou há dois ou três anos um Prêmio Jabuti de jornalismo com o livro O CASO DA FAVELA NAVAL, Editora Contexto com edição esgotada.
Você pode ter uma idéia do Pantera nos links.
http://www.orkut.com.br/Profile.aspx?uid=18183561199955574878

Conhece-lo é o tipo de experiência que vale uma amizade, que dá luz numa vida.
Nunca me esqueci que o som na madrugada vai longe...

Comentários

Rodrigo Monteiro disse…
Porteiro = mito. Todo mundo sempre lembra deles..

O meu bastante se chamava João. A entrada do colégio (Dom Feliciano - Gravataí) durava mais ou menos 15min. Durante todo esse tempo, de segunda a sábado, era a mesma ladainha: O GRÊMIO É O PIOR TIME DO MUNDO E QUEM É GREMISTA É... (e saí seguiam expressões que as freiras ou permitiam ou faziam vista grossa...)

saudades...
Anônimo disse…
O "bastante" era uma figura e tanto, além de colega dos alunos de elite dos melhores colégios de Porto Alegre. Pagava seu cursinho trabalhando + meio salário mínimo. Eu fazia três turnos (um estudando). Era uma maneira de um bageense recém chegado bancar sua vida na capital. Carregado de alguns valores - não muito visíveis - bem interessantes. "Bastante" para estar entre os 900 melhores no vestibular da UFRGS /74em 15 mil concorrentes. Adorei tua crôniva Júlio. Só que nos vimos várias vezes depois, com outros papéis na vida. Só te lendo percebi que não me reconhecestes nestas ocasiões. Provavelmente, o Pantera ficou guardado como uma figura mítica para ti, da mesma maneira que permaneceu para mim. Tenho aqui perto o grande e tronitoante Luzzatto, nosso professor e um dos sócios do Mauá (ex-patrão), a quem visito para saborear comidas incríveis que o agora gourmet full-time, escritor e ex-editor é capaz de elaborar. Bom lembrar daquele tempo doido, duríssimo, mas de boa memória. Sérgio

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