UMA CADEIRA SUSPENSA NO AR
Chico Viola ou Francisco Alves foi o mais popular artista brasileiro da era do rádio. Uma espécie de pop star muitos anos antes da invenção do pop. Esteve em Porto Alegre várias vezes. Fez temporadas, cantou, se embebedou e foi feliz. Pode-se concluir sobre a felicidade uma vez que ele sempre voltava e frequentava invariavelmente o mesmo restaurante e sentava na mesma mesa e na mesma cadeira no Restaurante Treviso. Isto é, tinha amigos. O locus do Treviso era o Mercado Público de Porto Alegre ali onde hoje tem uma peixaria. Quando Chico Viola morreu foi uma comoção nacional, algo equivalente a morte do Ayrton Sena só que sem transmissão ao vivo pela TV.
Numa de suas passagens em Porto Alegre veio com Noel Rosa e Mario Reis para uma turné de uma semana que durou um mês. As controversias transitam entre a temporada ter sido um fracasso o que obrigou os artistas a permanecerem mais de um mês instalados em Hoteis da Voluntários da Pátria a espera de numerario para pagar as passagens de volta, ou, a outra versão bem mais plausível, de que teriam se enrabichado por causa de mulheres. Prefiro acreditar nesta hipotese. Sabe-se que Noel teria uma paixão avassaladora por uma menina da vida fácil das redondezas do hotel e para ela teria composto um de seus clássicos. Nestas andanaças, bebedeiras e serenatas, o trio conheceu um soldado do exército que dizia compor musiquinhas. Este soldado de pele retinta e um pouco baixo, mostrou seu repertório e imediatamente Noel, Marios Reis e Chico Viola ficaram fascinados. Foi um mês de farra e poesia. O nome deste jovem compositor era meio estranho, um tal de Lupicínio. Este encontro deve ter sido algo essencial na vida de Lupi, com era conhecido na camaradagem, pois a partir dai começou a levar a sério, tanto quanto possivel, sua carreira artistica. Tornou-se ao longo dos anos que se seguiram o maior compositor gaúcho de todos os tempos. Certo é que ele é mais famoso fora do Rio Grande do Sul, embora nunca tenha saido da terrinha. Aqui ficou mais conhecido como um boêmio que ele realmente o era, e por alguma composições cantadas por Jamelão, Paulinho da Viola, Gal Costa, Caetano Veloso e outros tão importantes quantos os citados. A Província sempre dependeu do reconhecimento além do Mampituba, mas isso já seria outra história. O fato é que a contribuição de Chico Viola para a cultura gaúcha, levando em conta este estímulo ao Lupicinio Rodrigues já seria o suficiente para ter uma cadeira no céu. Tudo indica que esta cadeira realmente existe e que tem uma réplica pendurada na parede do Restaurante Gambrinus do Mercado Público. Trata-se da mesma da mesma cadeira que ele sentava no Treviso. A doação foi feita pelo criador do Trevisso, Tércio Kerber para o Antonio, lendário criador do Restaurante Gambrinus. Quando minha filha era pequena, eu mostrava a ela a cadeira e contava esta história, porém nunca me dei conta, tanto quanto agora, da importãncia de uma cadeira suspensa. É como se a morte fosse vencida durante toda a eternidade em que se olha o tempo suspenso na parede.
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