A EMPREGADA E O PATRAO MORTO
Não me sentia bem ao lado dele, salvo que me sentia livre
para pensar em outra coisa que não eu mesma. Eu mesma e o meu amor secreto e
segregado. Amor do silencio que agora,
depois de silenciado o pulsar do coração posso gritar. Porque quando ele estava ali, mandando,
pedindo, ordenando, me usando enquanto isso eu não precisa pensar nele. Ele
era. Isso faz muito sentido, agora. Tenho
a impressão de que a qualquer coisa que se tente representar o que vivi com ele
tende ao fracasso, como uma foto, uma gravação ou uma filmagem, mesmo que em 3
D, digitalizada, aperfeiçoada, melhorada
por todos os meios mecânicos, ainda assim, seria um fracasso. Não posso descrever a
experiência de ter vivido tantos momentos ali perto dele, do agora morto, ali
na cama, do homem cujo corpo agora resta na cama, de modo convincente. Impossível.
Somente quem compartilhou tais momentos silenciosos e aflitos pode saber. Não
há como explicar, representar, seria o mesmo que assistir um filme, mesmo em 3
D, onde um homem desce na lua em oposição a vivencia de um homem que desce na
lua. Assistir um filme de amor e viver um amor. É ilusório supor que, por haver
simultaneidade, a experiência se torne comunicável. Ilusório pensar que amar em
silencio não é amar, que sexo sem corpo não é viável, mas é isso que morri e
vivi com ele, que agora jaz ali, morto como eu, triste como eu, sem vida como
eu. E agora, livre como eu. Sem o fardo do tempo e sem a incomodação do espaço.
Para sempre ali, no eterno ali. Eu agora sou livre para pensar.
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