O FILHO ETERNO (POA EM CENA 2012)
Uma porrada. A emoção é uma porrada. No fígado, no baço, no
queixo. Um direto um cruzado e uma sequencia de um-dois incessante. Entrando e
saindo do in-fighting. O corpo a corpo da emoção é a arma mais poderosa
que o homem possui. A língua, a
linguagem e a palavras foram inventadas para dar conta da emoção e quanto mais
primitiva, mais intensa, mais violenta, mais sem perdão. Cruel. Daí o silêncio. Ninguém fala, quem
vive o dano, pai e filho, não fala, nem fala o médico que insiste em ser frio e usar
palavras técnicas e vazia, nem o psicanalista aterrorizado e
suspenso frente ao trágico. Resta, com ultima esperança, o poeta para
encontrar a poesia perdida da vida. Mas quando o escritor é o pai, ele também
para sobre o abismo, ante o buraco infinito que se fica quando se tem um filho
com problemas. Pois Cristovão Tezza deu uma passo a frente em direção a tal abismo
e escreveu um romance sobre seu filho. Palavras para romper este silencio, palavras para dar forma àquela emoção sem fim. Aquele desespero sem
fim. Palavras contra a genética. Palavras para lidar com aquela necrose
irreversível no coração. Segue-se vivendo, mas nunca mais o mesmo. Cristóvão
nos conta que nasceu Felipe, como poderia ser Pedro, Fabinho ou Mariana. Mas no
caso dele foi Felipe, nascido com Trissomia do 21. No sitio do cromossomo 21
onde deveriam estar um par de alelos, um do pai, outro da mãe, se gruda um
terceiro e altera toda a história guardadas nos baú genético da sobrevivência.
Uma doença que já fora chamada de Mongolismo. Sobre este evento abissal na vida
de um homem (ou uma mulher) se produziu a narrativa do romance que virou peça,
que assisti ontem no Teatro do Sesi dentro do 19 Porto Alegre Em Cena. A crueza da encenação, uma cadeira, um ator, luz e palavras
leva o espectador a sensação de que estamos desamparados. Entramos num ringue
sem conhecer o oponente. O palco quase vazio de recursos que as novas mídias no
oferecem restando apenas o mais antigo e o mais frágil (e importante) de todos,
o ator. O mínimo é a forma de dar ideia
da precariedade com a qual se esta lidando. A fragilidade de uma vida especial.
Vemos um pai que oscila entre o terror, a curiosidade, a dor narcísica e o laço
pai-filho. Tudo muito precário. Sempre é quando entramos no universo pai/filho,
mas neste caso mais ainda. Charles Fricks é estupendo na interpretação.
Coloca-se dentro e fora de si mesmo, entrando e saindo de uma luta interna de
um personagem fissurado no tempo e na alma. Narrador e narrado. Observa o
filho, sofre, se afasta, observa-se observando, aterrorizado. A direção de
Daniel Herz, os dois da Cia Atores de Laura é precisa, pois cria alternativas,
é agridoce, revoltada e amorosa, cheia de contrários dialogando. Transitando
entre estados emocionais de forma bela e tocante. E a grande virtude, o mais
importante, é que sempre que a encenação se aproximava do abismo da redundância
ou do limite da auto-piedade ou da pieguice,
ele sai, salta fora, muda o vértice, o narrador se reinventa, alternando
assim as estratégias e os golpes. Como bom boxeador encontra as brechas na
emoção da plateia, entre o doce e o amargo, vão entrando. Assim, quando o nocaute final
chega, estamos na lona, em lágrimas. Entregues de volta a emoção inicial da
qual tentávamos nos evadir. Mas agora sem o terror, amortecidos, tecidos pelo
amor. Aceitando a peça que o destino nos pregou. Prega. Até o último
round.
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