FICÇÕES ERÓGENAS



 Sobre formas de funcionamento dentro de um seminário.

            O conhecimento é resultado do trabalho da pulsão de saber sobre o objeto sexual. O poder estruturante do conhecimento inicia na passagem da necessidade para o desejo, instituindo as representações primordiais, segue na criação das teorias sexuais infantis e tem seu apogeu no complexo de Édipo. O olhar interpreta papel fundamental neste processo. Durante o desenvolvimento a escopofilia acaba se defrontando contra forças assustadoras. A visão terrorífica da castração, ao estilo da cabeça da Medusa, paralisa o sujeito e mobiliza seus mecanismos de defesa. O esforço em direção ao conhecimento, a curiosidade infantil leva o sujeito a este confronto. O resultado é o recuo narcisista para preservação dos atributos valorizados. Este recuo pode ter duas vias. Uma sublimatória favorecendo o deslocamento dos objetos e a criação de substitutos. Outra via seria na inibição onde se preservaria um posição ego‑ideal. Seria um tipo de paralisia impedindo o abandono dos objetos e fixaria o processo de conhecimento.
            Utilizando o modelo de zonas erógenas sobre o funcionamento dos seminários corro o risco de transformar fenômenos individuais e singulares numa generalização. Tendo em mente que se trata de mais uma ficção do que uma teoria, posso me arriscar frente a este movimento e buscar o que há de útil neste modelo para pensar. Sei também que nenhum modelo responde todas as perguntas e que não há uma exclusividade na forma de funcionamento de grupo nem se fecham outras possibilidades de análise.


            Em determinado momento uma turma funciona com uma ficção oral. A característica básica desta é a relação boca/seio. A voracidade permeia as relações de saber. O conhecimento é sugado, deglutido, incorporado. O meio de transmissão é a pergunta de um lado e a resposta do outro, sempre o mesmo, o coordenador. O choro do grupo suplica respostas. A boca espera o seio, o leite jorra. Satisfeito o bebê‑turma arrota o saber e dorme o sono tranquilo. O bebê‑turma se coloca numa posição de dependência absoluta e o coordenador, como o portador do Bem Supremo, da fonte inesgotável de conhecimento. Todo poderoso, senhor da satisfação e da frustração.
            Noutra questão a turma se torna obstinada, se prende numa ordem fixa e segue com parcimônia os textos. As cores do erotismo anal se fazem presentes tingidos as relações. O saber é arduamente disputado, arrancado ou retido. Ao surgir, o conhecimento é decorado, guardado como um tesouro, equivalente fálico obturando a falta. O coordenador é herói, cavaleiro vingador obstinado, justiçando os que pensam diferente. A obsessividade faz o grupo retornar as mesmas questões num moto continuo. O saber transita numa área sempre conhecida. Ambivalência marca o lugar do coordenador alternando entre o amado e o odiado.
            O bebê‑turma não fica parado ali e busca outro modelo, o fálico. O saber já é imaginariamente  propriedade da turma. Não escuta. O bebê‑turma se orgulha de ser portador do atributo fálico do saber. O modelo ego‑ideal atravessa o narcisismo da turma que barra o acesso ao conhecimento. O coordenador aparece desvalido, empobrecido, seu conhecimento não tem efeito. Sobre ele recaem todos os equívocos.
            Por fim o bebê‑turma atravessa a prova da angústia com êxito e atinge a modalidade genital ou castrada. O conhecimento é reconhecido como faltante, a turma percebe a limitação, se submete a castração de ter que estudar e cria a partir do que não tem, a partir do que não possui. O modelo ideal de ego se faz presente. O bebê‑turma atravessa a diferença. Suporta as frustrações de não saber tudo. Suporta que seus pais teóricos não esgotam o conhecimento. Seus objetos idealizados pelas transferências se transformas em pessoas. A dúvida no lugar da certeza. O coordenador entra nesta série e se submete a castração também ele, pois não é portador do saber total, não é o senhor do conhecimento. O modelo pergunta e resposta é substituído pelo questionamento.
            Mestre não é que sempre ensina, mas quem de repente, aprende ‑ nos escreve Guimarães Rosa.

Comentários

Postagens mais visitadas