ICONOGRAFIA SEM NOME


Porto Alegre tem uma iconografia própria. No teatro por exemplo. Tantas gerações de teatreiros e talentos passaram, antes do FB e das rede sociais, dos palcos e sucesso para recorte amarelados de jornal. Tantas pessoas geniais que cruzam nas ruas de Porto Alegre e não se sabe quem são. Não vejo demérito nisso. O que não esta na mídia não existe. Na era internet Maradona é melhor do que Pelé.
Mas não é na minha memória. Lembro de ver o  Pelé jogando.
A memória tem sido extremamente atacada por nossa cultura. Seja porque a usamos pouco, pois, nomes, agendas, fotos, endereços, caminhos estão nos iPhone e GPS que facilitam e complicam a nossa vida. O resultado talvez seja uma atrofia. Não tenho nenhum dado estatístico mas acho que nunca houve tantos amnésicos como neste momento histórico. Seja por viverem mais e sucumbirem as inevitáveis mortes neuronais, seja pelo Alzheimer, fantasma que nos assola, o fato é que quem viveu esta perdendo os registros e quem vem agora nem sabe de quem se trata. E quem virá talvez nunca venha a saber.
Penso nisso porque estiveram no Teatro de Arena duas pessoas especiais, cada um com uma história dentro do teatro, e que por circunstâncias de vida tomaram outros rumos. O fato de mudarem trajetórias não invalida o que fizeram. Estou falando de Zezo Brunet Vargas e Beto Ruas.
O Zezo participou dos inicios do Teatro de Arena de Porto Alegre. Formando os primeiros elencos junto com Jairo de Andrade. Depois foi embora, São Paulo, fazer carreira.
Beto Ruas, economista de profissão, foi estudar teatro na França. Lá fez curso com Mario Gonzales. Um dos grandes atores espanhóis e que pode ser visto no filme de muito sucesso nos anos 80: “Por Qua Pa?”
Da França, Beto trouxe para Porto Alegre a mascara neutra. E com a técnica decorrente da mascara neutra fez dois espetáculos antológicos. A História do Bicho Homem, com improvisações do grupo, e o Processo, de Franz Kafka.
Quem olhar para os dois na rua, provavelmente não vai saber quem são, não vai saber que ali estão dois artistas importantes.
Porto Alegre com frequência se ilude com as fantasias que a telinha, agora cada vez mais telona, a criar realidades ultimas
Zezo postou no Facebook o seguinte comentário sobre Beckett-Bion: Gêmeo Imaginário:

“Ai está uma peça recomendadíssima, vale muito apena assistir é simplesmente genial, atores ótimos, direção ótima !! Eu assisti e gostei muito e tive o prazer de encontrar Júlio Conte, que pra mim é um gênio, um louco.... que realmente faz a diferença no teatro gaúcho !!! Grande Júlio Conte um abração ( O ESPETÁCULO É FORA DE SÉRIE !! )”

Beto escreveu para mim:

(...)Há momentos em que voo junto com os atores e os personagens, com  o cenário,  a luz e a música super articuladas entre si – momentos de glória.  Momentos em que vejo o diálogo dos principais personagens – a relação entre o silêncio e a palavra, por exemplo, a grande questão estética.  Esses momentos são fortalecidos pelas escolhas felizes no campo da direção de arte.  Funcionam super bem para construir o clima. Aliás, “clima” é uma palavra que me agrada muito para dizer o que é fundamental num espetáculo.  Ou tem clima  ou não tem – não há meio termo. E o espetáculo tem um clima que me manteve atento na maior parte. Quando termina eu ainda não sei; depois,  faço o download, e aí vou confirmar. O que eu  gostei? Texto – desafios - se mantém por que tem algo a dizer.  Para mim tem. Não é um texto fácil, não tem muita chance de ser um sucesso de bilheteria. Mas acho que isso é uma escolha tua. A concepção do texto, as dinâmicas teatrais são bem boladas, assim como a grande maioria das cenas. (...) ...três dias depois a imagens é forte, os dois Samuel  e Bion  falando, no fundo, sobre o que foi e o que não foi.”

Foram duas opiniões de caras que eu admiro. Captam aspectos da peça. E são mais importantes porque os dois fizeram teatro em porto Alegre, quando teatro em Porto Alegre não era nada. Hoje é um pouco mais graças a eles e a tantos outros. Aquilo que eles fizeram foi inventar algo do teatro que viria depois.
Reconhecimento é o preço que se paga a estas gerações que nos precederam.
Quanto aos comentários. Aceito os elogios, mesmo que não concorde. Aprendi que elogio se aceita. Dentro de mim, sei do exagero, mas digo obrigado. Critica também. Aceito todas e lá dentro de mim penso se concordo ou não.
Acho que arte é um exercício democrático, expressão de subjetividades horizontais. O campo do contraditório é a terra fértil para a estética e a arte. Só assim se consegue produzir um transito de sentimentos, uma cesura que nos faz crescer. Maravilhosa as múltiplas sensações do Beto, resultado de um observador agudo do insight-outsight da peça de só si-mesmo.
Sobre o Zezo digo que o gênio é ele, o louco é ele, pois sem ele talvez nem existisse teatro de Arena. Nem teatro. Nem nada.  E esta loucura que nos move sem bussola e nos coloca palco.  Todos que por ali passaram fazem parte dessa família. Independente do que estejam fazendo hoje.
Obrigado a eles.

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