ENQUANTO AGONIZO - parte 5


AMELINHA
Revolvendo esses lúgubres pensamentos, ele, seu corpo mole querendo enrijecer, roçando nas minha pernas, eu menina na cabana da qual fugi. Corri em direção ao destino. Fugindo dele. As imagens aconteciam de tempo em tempo como compassos da memória. No fundo eu devia estar contente de estar ali. Enquanto no quarto ia e vinha, botando ordem, arrumando no armário as roupas e nas caixas os chapéus que tirara a fim de fazer com liberdade minha escolha, fechando a chave as diferentes gavetas. Recolhendo os papeis, as roupas, os sapatos e tudo o mais que recordasse aquela noite. Minha cabeça toda as âncoras de salvação. Dinis filho ali. Sentado na obscuridade  num marco de pedra. Pernas cruzadas. Uma das mãos na coxa, o cotovelo nesta mão. O cotovelo na outra. Olhos fixos na terra, como num tabuleiro, traçando com frieza meus planos para amanhã. Depois de amanhã. Criando um tempo ainda a vir. Reabri a gaveta, na mesinha de cabeceira e apanhei um vidro inteiro de comprimidos de morfina. Meu calmante predileto. Uma mulher como eu, jovem e sem pudores, tão meticulosa e paciente. Cumprindo com fidelidade aquele trabalho repugnante de chorar sem dor. Eu que perdi a dor na primeira vez que fui estuprada. Que perdi o prazer na cabana e depois na hipocrisia. Eu que me refugiei no silencio do pensamento, colocado no intestino, nos limites do cálculo. Além da lógica, cheia de espanto. Tanto horror, que um homem fabricado desta maneira, tão cheio de habilidades e poderes, dinheiro e família, deixe invadir-se por putas e quimeras. E me deliciava com a chuva de lagrimas, pois no silencio eu vencera a guerra. Todos serão culpados e todos pagarão. Vingança suave vingança.

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