ARTE DO TEATRO PARA QUEM?


Assisti a uma excelente peça de teatro, Hotel Fuck, da Jezebel de Carli & Diones Camargo. O trabalho ficou na minha mente durante dias, me deliciado, me denunciando, me incomodando, me deleitando. Mas o que me intrigou entre outras coisas foi o publico da peça. Para meu espanto, conhecia quase todas as pessoas ali presentes. Está bem que era ultimo dia, celebração, um trabalho que passou por acidentes que tiraram a peça de cartaz, mas mesmo assim, a sensação de estar assistindo uma obra publica e conhecer quase todo mundo me incomodou. Tudo bem que sou velho, já percorro os teatros, palco e plateia, há mais de trinta anos. Mesmo assim... Fiquei pensando se numa vernissage onde grande parte do publico é formado por pessoas que gostam, se identificam com artes plásticas a situação seria a mesma. As Artes Plásticas possuem também um publico especifico e definido. Já o cinema não. Cinema é assistido regularmente. Raro uma pessoa ficar um ano sem frequentar uma sala de exibição e menos ainda sem ver um filme, mesmo que baixado na internet. Mas teatro, sim. Tenho amigos, intelectuais, professores, psicanalistas, advogado, médicos, que passam ano sem assistir uma peça de teatro. Cada vez que percebo isso, me espanto. Não se trata de um terror moralista de achar que teatro, ou arte em geral, seja algo mais do que outras atividades humanas, nem penso que a função do artista seria terminar o trabalho de Deus na cadeia criativa. Não. Meu espanto é que as pessoas não sentem desejo de passar por determinada experiências. Elas não se importam em suarem e sofrerem numa academia para perder alguns kilos, mas não suportam a tensão emocional de um contato como uma historia, um ator, um espetáculo. Outro dia encontrei o dramaturgo Ivo Bender na rua, conversamos brevemente, rimos, tomamos um café. Ivo foi recentemente homenageado pelos seus 75 de vida e 50 de dramaturgia. Ele reclamou que seus textos eram pouco encenados. Mas que ele seguia escrevendo, sabe-se lá para quem. Arte é como garrafas ao mar, jogamos na esperança que alguém as encontre e saiba, mesmo que tardiamente, do emissor. É uma espécie de moira de todo artista, condenado ao oficio sem saber para quem. Vozes internas que precisam de bocas. Por isso se inventa personagens. Por isso, as peças entram em cartaz. Algumas vezes tempos pessoas desconhecidas na platéia, outras temos amigos que nos acolhem. Outras nem um, nem outro e o teatro fica vazio. Certa feita, numa entrevista, sustentei que buscava fazer teatro para quem não gostasse de teatro. Corri o risco da incompreensão, e houveram jornalistas que aproveitaram a frase para distorcer a ironia. Como se eu estivesse propondo apitos e espelhos para indígenas em troca de pedras preciosas. Mas, obviamente a provocação era outra. Imaginem como seria fazer musica pra quem não tem o habito de escutar musica. Que sonoridade deveria ser proposta. João Gilberto ensaiava a Bossa Nova no quarto de seu sobrinho em Minas Gerais com uma peculiaridade. Tocava enquanto a criança dormia. Queria uma musica tão suave e delicada que não acordasse um bebê. Como então embalar os sonhos de uma cidade, tocar almas não sensibilizadas para tal? Como fazer teatro para quem nunca assistiu uma peça e mesmo assim, mantê-la sonhando? Acho que o teatro tem o desafio de criar intimidade onde havia estranhamento e estranhamento onde intimidade havia. E tudo isso sob o leito onírico, matéria da qual somos feitos, como já disse Shakespeare. Para isso, precisamos dialogar com a alteridade que pode ser o outro, o desconhecido, o estranho. Mesmo que o outro, o estranho e o desconhecido habite dentro do si mesmo.

Comentários

Concordo plenamente...Infelizmente!
Teatro é emoção, rir, sentir tristeza, depois gargalhar, pensar, enfim é VIDA!
Parece que as pessoas têm medo disso...será?!
Dizem que é caro: e o cinema + a (maldita) pipoca?

Lavei a alma...OBRIGADA!

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