ISTO E BESTEIROL


Acabei de ler Isto É Besteirol – O Teatro de Vicente Pereira, de Luís Francisco Wasilewski. E me peguei emocionado. Como toda boa piada termina com uma lágrima, o livro de Wasilewski se derrama sobre nós dessa forma.  Parecia, inicialmente, uma tese acadêmica, mas aos pouco o caráter de depoimento vai tomando a narrativa. A história do Besteirol é a história de uma das gerações mais talentosas que o teatro Brasileiro já produziu. Luís Franscisco Wasilewski redime o gênero. Não, não é isso. Ele recria a história do Besteirol conferindo lhe um status de gênero no âmbito da comédia. Ao mesmo tempo, o relato da história do Besteirol funciona como uma espécie de  de (re)fundação teatro brasileiro na passagem da ditadura militar para a nova ética democrática. Traz os ares da liberdade e de fazer a vida valer a pena sobrevivente aos anos de chumbo. Escapando do engajamento que o teatro durante a ditadura obrigava, teve no Besteirol a possibilidade de voltar a rir. Vale a pena ler. O autor de uma maneira leve, precisa e envolvida,  devolve ao teatro a possibilidade de rir de si mesmo. O Besteirol é um baluarte contra o academicismo. Uma recusa a submissão do establishment. E, enquanto avançava no relato apaixonante da virada dos anos oitenta, traçava para paralelos imaginários com a peças que vi neste anos e com o teatro que se fazia em Porto Alegre naquela mesma época, me dei conta de uma porção de coisas.
Primeira é o Besteirol foi precursor do Pós Dramático numa época que esta expressão, PD, não existia. E que o humor é uma forma avassaladora de enfrentar o panorama visto da ponte do pós modernismo deprimido e depressivo. Besteirol antidoto e um precursor bem humorado da desesperança. A fragmentação no formato de esquetes antecipa o PD. A definição esquete caiu em desuso e foi proscrita no meio teatral, mas é evidente que trata-se de um antecedente da narrativa fragmentada sustentada pelo pós dramático . Além disso, fica claro no livro de Wasilewski que a narrativa do Besteirol era impregnada de citações, outra característica do PD. Estas aproximações se acentuam se pensarmos nas gírias, na linguagem cifrada e no tribalismo. O Besteirol carrega tudo isso junto com o misticismo, o mágico e na busca dos gurus. Sem falar no travestismo, um recurso do cômico ancestral como mostrou Ivo Bender no seu ensaio sobre a comédia. O travestismo no Besteirol, no entanto, parecia mais um modo enfatizar a critica ao cotidiano, ao dia-a-dia, ao brega nosso de cada dia.  Todos este ingredientes alicerçados em profundas experiência pessoais transmutadas em personagens, narrativas e ações dramáticas vivos pela geração de Vicente Pereira que inclui muitos e eu apenas cito alguns como Miguel Falabella, Guilherme Karan, Felipe Pinheiro, Mauro Rasi, Miguel Magno e tantos outros. 
O Besteirol pareceia ser o reduto de uma geração que recusou o academicismo e nisto se diferenciava do PD na medida que este mergulha nos clássicos tentando encontrar a universalide através de releituras. Nesta perspectiva concluo que a geração de Vicente Pereira antecipa um viés divertido, criativo e promissor para o teatro.  Pena que, o nome carrega um tom pejorativo e talvez isso, junto com a morte prematura de muitos autores de Besteirol, impediram uma evolução mais significante. Embora, este elementos atravessem as décadas, passando por TV Pirata, Armação Ilimitada, Os Normais e possam, até ser encontrados em filmes como o Django  Livre de Tarantino, um exemplo maior de Besteirol no âmbito do cinema.
O texto de Luís Franscisco Wasilewski, Isto É Besteirol – O Teatro de Vicente Pereira é exemplar. Vale a pena ser lido, tanto como uma tese, como história e mais que tudo, como perspectiva redentora de um gênero que se não fosse o trabalho do autor, poderia se perder no tempo, envolvido pelo manto do preconceito e do pré-juízo.  
Fiquei com a convicção que Besteirol é um gênero que pode ser reaproveitado, pois se apoia na originalidade e na vivência do momento histórico que alcança universalidade por não se preocupar com ela e deste modo transcendem o humano. Besteirol como antecedente do Pós Dramático sem ser chato nem pretensioso. Por não ser acadêmico e sim irreverente.
E o concluo que o que há de melodramático e melancólico no Besteirol se deve ao fato paradoxal de celebrar a alegria de viver. 

Isto É Besteirol - O Teatro de Vicente Pereira
Luís Franscico Wasilewski
Imprensa Oficial
Coleção Aplauso Teatro Brasileiro

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