O grande sertão de meus pensamentos, na intimidade das entreoras
Seria fácil fazer uma analogia do trajeto do jagunço
Riobaldo e seu relato com o “Doutor” com o processo analítico. É por demais
obvio, e por ser óbvio não significa que não seja verdade. Mas é básico demais
para uma discussão entre psicanalistas.
Penso que a riqueza do relato está na capacidade de pensar
do personagem. Que faz um relato em vários níveis. E tem em si uma capacidade
especial. Num grupo de estudos discutíamos a existência de sujeito
infra-analisáveis e de supra-analisáveis. Ou seja, existem pessoas que não
conseguirão acessar um processo analítico independente da capacidade e do
preparo do analista. E outra que entrarão em processo de análise mesmo sem
analista. Freud se enquadra neste último caso. Conseguir analisar-se mesmo como
toda ao prepotência e obtusidade de Fliess. Lacan também se enquadraria neste
rol do supra-analisáveis pois ninguém pode imaginar que ele tenha tido uma
experiência emocional transformadora com Lowestein. Ou se teve, o Lowestein e
Fliess não ficaram sabendo. Bom, mas por ai, cabe perguntar qual o analista que
fica sabendo da qualidade da análise de seu analisando?
Pois o personagem de Guimarães se enquandraria neste rol dos
supra analisáveis.
Vejam bem ele tem que abrir caminho a partir do nada.
Nonada. Primeira palavra do romance. Lembra o uso que Bion faz do Paraíso
Perdido de John Milton: vazio infinito sem forma. E o grande medo do
estranho, o Diabo. Se John Milton fez
uma ode a criação dos céus e acabou criando o Pandemônio e enaltecendo Satã,
Guimarães põe seu personagem em contato com o estranho dentro dele. O Diabo.
Que passa a ser uma das leituras do mundo.
Primeiro parágrafo.
As linhas narrativas do pensamento de Riobaldo passam assim
pelo Sertão, o Diabo, a solidão, a hierarquia do poder, o pai, Zé Bebelo, Joca
Ramiro e o grande e estranho amor que sente por outro jagunço, Reinaldo/Diadorin.
O sertão vai se configurando como esse vazio, esta
imensidão, onde os pensamentos batem pé e dormem ao relento.
Pág 397
E a grande vereda da
alma é que Riobaldo não se assusta. Acolhe o estranho dentro de si. “A gente só
sabe daquilo que não entende”. É uma perola do psiquismo humano. Falar do conhecido,
repetir, afirmar é perder tempo. E ele não tem medo.
Pág 410
Ele no julgamento de Zé Bebelo
Pág 289
Depois do julgamento o grande paixão que mexe com a mente do
Riobaldo o jagunça Diadorim. Quem viu na série da TV, Diadorim interpretado
pelo Bruna Lombardi, com aquele olhos verdes, qualquer um relaxa. Mas o clima
do romance propõe outra coisa. Propõe que ele se defronta com um sentimento
estranho. O tempo todo o estranho em si, o diabo, o amor, o nada, a morte, os
pensamentos.
Pág 301
Acolhe sentimentos dentro de si. Capacidade negativa
Pág 305
Pág 307 ele reconhece o sentimento dentro dele e deixa
acontecer.
Otacília
Pág 323
Alivio na tensão do desejo deseconhecido, um descanso para
Riobaldo, mas sem a sombra do amor.
Volta de Zé Bebelo
Pág 324
Mestre não é quem ensina, mas quem de repente aprende. (pág
326)
Meu coração é que entende, ajuda minha idéia a requerer e
traçar. (pág 326)
Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na
loucura. (pág 327)
Um sentir é do sentente, mas o outro é do sentidor.
Como no homem que a onça comeu, cuja perna. Que culpa tem a
onça, que culpa tem o homem?
É preciso de Deus existir a gente, mais; e do diabo divertir
a gente com sua dele nenhuma existência.
Ah, para o prazer e para ser feliz, é preciso a gente saber
tudo, formar alma, na consciência; para penar, não se carece: bicho tem dor, e
sofre sem saber mais porque. (Pág 328)
A gente mais sabe de
um homem, é o que ele esconde.
O senhor então visse Zé Bebelo: ele terrivelmente todo
pensava – feito o carro e os bois se desarancando num atoleiro.
Pág 370
...senhor de certeza nenhum.
Quem vence é custoso não ficar com cara de demônio.
O que é que uma
pessoa é, assim por detrás dos buracos dos ouvidos e dos olhos?
Amor é a gente querendo achar o que não é da gente.
Mas mente pouco que a verdade toda diz. (pág. 380)
Riobaldo se inventa contando de si, para um testemunha
silencioso, mas isso só se transforma em travessia por sua capacidade de
aprender consigo mesmo, aprender a própria experiência do inconsciente.
Final do livro.
Conceitos que Riobaldo desenvolve no seu pensar:
Infinitude O
sertão
Incerteza O
destino do homem
Indecidibilidade da origem Diabo
e Deus
Incompletude O
grupo
Singularidade Qualidades
pessoais
Negatividade Capacidade
negativa de conter as dúvidas
Complexidade Pensamento
complexo, feito de paradoxos.
O fato de Diadorim ser uma mulher, não desfaz a complexidade
dos sentimentos, pelo contrário. Oferece uma alívio para o leitor. E um alívio
sofrido para o personagem, pois que isso só se revela depois da morte e surge
toda uma vida que poderia ter sido e não foi. Mas teria graça para Riobaldo
Diadorim mulher, Diadorim na cozinha, serzindo, lavando? O fato de Diadorim se
revelar mulher não muda o principal da trama. A complexidade do homem
mergulhado nonada tendo que decifrar o Diabo e Deus, e o sertão dentro de si, o
infinito sertão.
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