Pensando a culpa


Catarse versus absolvição

Quando se fala de culpa em psicanálise, de modo geral, acaba-se falando de uma culpa estruturante, original e fundante que salva o sujeito da imersão numa natureza sem lei e o insere no mundo da cultura. Sobre a repressão dos instintos originais se funda a civilização e o mal estar. Se declara com freqüência que esta culpa se estrutura no mito de Édipo, extraído da tragédia grega e apoiada nas teses desenvolvidas por Aristóteles no que restou da Poética, isto é, do que chegou até nós. Da mesma forma em técnica é comum falarmos de desculpabilização, de permissão, enfim, de uma diversidade de ações terapêuticas que terminam por aliviar a culpa do paciente. 
            Porém a culpa de que se fala, sob o signo da tragédia grega, a culpa edípica, na verdade se mostra como a culpa cristã. Veja bem, a culpa original, a culpa que salva, que funda, o que significa isso? Nada mais nada menos que a culpa cristã.  Assim nos defrontamos com a Culpa grega versus culpa cristã.

O sistema trágico por seu lado,  visava colocar o homem frente a um situação limite. Ou, dizendo numa linguagem psicanalítica clássica, era o enfrentamento da castração. Castração no sentido amplo, perda do falo, perda do que completa narcisiscamente, e este confronto não colocava o homem frente a um erro, mas frente a um limite. A tragédia oferecia possibilidade de pensar sobre representações intoleráveis. Ou seja, pelo sistema de empático, fazia com que o espectador se identificasse com o herói e com ele incorria na falha trágica. Aí, já inserido via identificação, o espectador se debatia com as representações intoleráveis, com a idéia da castração (sempre neste sentido amplo, não exclusivamente sexual - tenho que desenvolver esta idéia). Com isso, se podia pensar em coisas que não se pensaria naturalmente. Ou seja, se o tamanho do mundo é o tamanho do pensamento, o sistema trágico de culpa e catarse nada mais fazia que ampliar o núcleo do pensamento permitido (pela repressão) para áreas até então recalcadas (pela experiência de dor, precursora do recalque). Este avanço se faz em direção a pensamentos que produzem mal estar. Ou seja, a imersão neles é resultado de um trabalho de iludir a dor ou o recalque para ver, doa a quem doer, quem realmente somos. então quando falamos de Édipo, estamos na verdade falando de um sistema trágico em que a culpa se produz pela incursão numa falha mas que, paradoxalmente, ao pensarmos nela, tal qual o espectador, abrimos um espaço fértil e doloroso do desenvolvimento do ser.
            A culpa cristã parte do pressuposto de que temos o pecado original. Não incorremos nele, já somos o pecado e necessitados de uma ação que nos retire dali e esta ação é que nos constitui como seres humanos, nos diferenciando da natureza e ingressando na cultura. Esta culpa estruturante nos confere um lugar na cultura na medida em que somos perdoados. Ou seja, as representações não são de fato perlaboradas mas há um perdão recebido de uma figura assimétrica que  devolve o bem estar, sem no entanto mexer nos espaços internos do nosso pensamento. A deculpabilização  retira a sensação dolorosa mantendo as representações intoleráveis intocadas. Isso quer dizer que não há expansão do mundo do pensar e embora ocorra uma ganho sem relação ao sentimento de culpa, a castração fica recusada e, em seu lugar, se celebra o encontro com o místico, o complemento narcísico.


A culpa trágica não tem conciliação enquanto que a culpa cristã tem salvação.

A culpa e sua linguagem autorreferente e massacrante precisa ser superada por algo além, algo do ser que suporta, algo que fale a linguagem da responsabilidade pelo si mesmo e pelo outro.

A culpa ática, trágica, deriva da falha do espírito humano ante a superioridade das forças contrárias.

Por isso é uma forma de conhecimento de si mesmo!

Decifra-te e paga a conta que te cabe. Nem mais nem menos.

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