O MAIOR AMOR DA MINHA VIDA, de Julio Conte (argumento para um curta )
Roteiro para um curta metragem
cena 1
Homem e mulher num quarto. Não podemos ver quem são.Vê-se roupas caindo no chão. Bocas se grudam num beijo intenso. Detalhes: mãos vigorosas, ombros fortes, seios firmes, coxas desenhadas. Mão no pescoço. Pernas se entrelaçam.
Através do espelho do tocador podemos ver desfocados os corpos transando. Percebe-se que as posições mudam, ora de quatro, ora um 69, ora ela cavalgando, ora ele de pé e assim se realiza um sexo vigoroso.
No toucador, em primeiro plano vemos livro do Cortazar, Jogo da Amarelinha, edição da CODEDRI com uma antologia dos melhores contos de 72, uma carteira de estudante onde ela aparece com o cabelo pigmalião. Atirado, livros do cursinho Mauá, e uma bolsa tiracolo peruana e uma calça Lee virada ao avesso.
No espelho do toucador casal transa.
cena 2
Detalhes de mãos, pés, ombros e seios. Bocas e línguas. O corpo já não é mais o mesmo. Sobre o tocador vê-se fotos de casamento, um buquê de noiva e um vestido bordado que cai sobre o terno.
No espelho do toucador, o casal continua transando.
cena 3
Detalhes de mãos marcadas, pés, ombros caídos, seios comprimidos, barriga crescendo, barba por fazer e cabelos com tufos brancos nele e nela a raiz denuncia. O dorso maduro do homem e o seio de uma mulher vivida.
No toucador, vemos a foto do casamento amarelada, foto da mulher grávida. Fotos de três criança. Família caminhando no Brique da Redenção. O casal e três filhos no alto da roda-gigante.
No espelho o casal transa.
cena 4
Detalhes de rugas no olho, mãos com artrite, pés com calosidades, ombro atrofiado, seios caídos. Rugas. Flacidez. Marcas do tempo.
No tocador; fotos da filha vestida de noiva. Outro filho com uma mulher mais velha que ele e dois filhos já crescidos. A foto do terceiro filho tem um faixa de luto no canto.
No espelho, o homem sobre a mulher, transam lentamente.
cena 5
Detalhes, mãos envelhecidas, ombros frágeis. Olho caído, marcas de expressão, lábios descorados. Rugas, respiração ofegante.
No tocador fotos da filha com outro marido, o filho com outra mulher, o morto continua morto. Fotos de crianças. Uma correndo na Redenção, os avós desfocados no fundo, outra com a turminha do pré, outra com a camiseta do time da aula. Outra em Bariloche com óculos escuros. Outra tomando um porre na Passarela do Álcool em Porto Seguro.
No espelho do toucador o casal ainda transa, sofregamente.
cena 6
Vê-se o homem sobre a mulher. E pela primeira vez se vislumbra o rosto dela. Aparenta estar com 80 anos, rugas no rosto e nas mãos, um certo inchado em torno do pescoço, ainda mantém um sorriso nos lábios, os olhos caídos conferem uma emoção complexa. Uma tristeza alegre. Como a máscara de Putinelli na Comédia Dellarte.
O rosto do homem é encovado, marcas de expressão contornam a boca, acentuadas bolsas sob os olhos. Ele é magro, mas uma barriga denuncia o desacordo hormonal. Aparenta estar com 80 anos.
cena 7
O homem sai de cima dela e deixa-se cair a seu lado. Ofegante. Vira o rosto e ela lhe retribui o olhar com um sorriso complacente. Ela afaga o cabelo num carinho discreto. Ele sorri fechando os olhos e recebendo o carinho em seus ralos cabelos.
Ele fala alguma coisa que não se entende e vira para o lado. Um adormecer suave.
Ela se aproxima. Encaixa o corpo dela no dele.
Ele se dobra como um bebe.
Ela o aconchega mais ainda.
Ela pergunta: gostou?
Ele: foi a trepada da minha vida!
Ela olha para o tocador e vê toda a história passando no espelho. Ela sorri.
E adormece para sempre.
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Muito mesmo!