PRAZER PROIBIDO
As seis da manhã,pontualmente,o despertador tocou. Daniel Gomes já estava no banheiro comprimindo a bexiga e vendo sair,apesar da urgência miccional, umas poucas gotas. Olhava para o vaso. Sacudiu o pênis e guardou dentro da velha calça cinza. Virou e viu sua imagem no espelho. Ajeitou a gravata. Deu um sorriso amarelo examinando os dentes. Esticou os braços num gesto brusco fazendo encurtar as mangas do casaco. Dobrou‑se sobre a pia. Abriu a torneira, encheu a concha da mão de água fria e elegantemente lavou o rosto. Secou as mãos com paciência. Foi até a sala. Curvou‑se e esfregou com a ponta do dedo uma pequena mancha de pó sobre o sapato preto.
Foi até a cozinha. Acionou a cafeteira automática que havia sido preparada por Elza na noite anterior.
Voltou para a sala. Sentou‑se no grande sofá de couro. Levantou as pernas e as apoiou sobre o tamborete. Levou o cigarro a boca. O primeiro prazer é o toque nos lábios. Toca com a ponta da língua o filtro. Um filete branco,nem longo nem curto. Gomes toma,com delicadeza, o cigarro entre os dedos. Observa mistério do tabaco. Bate com o filtro,por duas vezes,no vidro do relógio. O fumo se assenta. Tira o Ronson do bolsinho da calça, joga a tampa para trás.Movendo o polegar aciona a pedra. Levou a chama disforme para perto do cigarro. Pára o isqueiro na frente ao cigarro. Gomes por um momento observou o flamejar do velho Ronson que nunca lhe negava fogo. Torceu o canto da boca com um sorriso que ainda não dera e ascendeu seu Continental.
A primeira tragada do dia. Foi uma longa e profunda tragada. O gosto de fumo na boca. A fumaça descendo pelo peito,inundando os pulmões de prazer. Enguliu o pigarro e deixou que a nicotina tomasse conta do velho corpo. Sentiu‑se relaxar. Respirou fundo como se voltasse a vida.
Ainda tenho alguns prazeres, pensou com uma imensa amargura. A fumaça azul se espalhou pela sala. Pela janela amanhecia. A casa permanecia em silêncio. Gomes olhou para o relógio e mordeu o lábio:
‑ Merda!
Sua voz se propagando na sala determinava o fim do amanhecer. A luz branca terminou de invadir a janela e ele amassou com força o primeiro cigarro contra o cinzeiro. Foi até o quarto e Elza dormia agarrada ao travesseiro de Gomes. Ele riu com o canto da boca. Foi até o quarto de Lélia, sua filha adolescente, e confirmou o que já sabia. A cama vazia,nem sequer fora usada.
Na cozinha tomou um gole rápido de café e saiu pela porta de serviço. Parou um instante na entrada do edifício. Olhou para a direita e para a esquerda. Caminhou até a calçada. Virou‑se e olhou para o edifício. Na parada de onibus esperou com paciência o 77. Ascendeu o segundo cigarro.
Da parada via uma moça cambaleante se aproximar da porta de seu edíficio. Tinha um vestido floreado, amplo, que lhe cobria os joelhos. Uma camisa indiana de algodão que deixava ver um belo ombro branco. Sua pele era extremamente branca. Uma fita de seda impedia que o cabelo demorronasse sobre o seu corpo. Carregava um sapato em sua mão. Ela parou em frente a porta e virou o conteúdo da bolsa de couro sobre a calçada. Separou uma carteira gorda cheia de documentos, uma caixinha de jóias, guardou uma pirâmide de cristal, um envelope de pílulas,jogou uma garrafa de Drury's vazia no meio da rua.Pegou um molho de chaves e procurou uma entre todas. Escolheu a mais longa. Ameaçou em direção a fechadura duvidando se acertaria. Perto da porta ficou tonta. Cambaleou novamente. Apoiou‑se na porta para equlibrar‑se e ela se abriu. A moça riu e entrou.
Gomes joga fora o cigarro. Olha para o senhor ao seu lado e comenta.
‑ Essa linha de onibus é uma barbaridade. Estão sempre atrasados! Não sei o que vai ser de nós, pobres trabalhadores!
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