ENTRE O ARLEQUINO E O DOUTORE
Eu era um estudante enrolado entre o teatro e a medicina. Numa aula de Introdução a Psiquiatria se deu um debate sobre o filme La Luna de Bernardo Bertollucci. O professor pergunta o que achamos do filme. Eu falo do menino perdido, prepubere que perdeu o pai e se atrapalha com a mãe. Hoje, penso tratar-se de mim mesmo, num dos meus milhares de momentos de incerteza. Tal menino perdido do meu discurso não teria como não ser eu. Uma parte de mim. Mas o debate seguia, interpretações e mais interpretações. Desfilaram teorias, Édipo, narcisismo, castração e tudo aquele mundo da psicanálise na aurora do meu conhecimento, até que chega a hora de uma conclusão. Eu falei:
- O diretor, esse Bertollucci, entende de psicanálise!
Ao que o Professor:
- Não, Júlio, o diretor entende da vida.
Eu insisto, que não que ele não teria como saber da teoria edípica, ambivalência, etc, sem contato com a psicanálise. O professor insiste que o artista sabe da vida para mais além da teoria. Que a vida vai além das teorias e da psicanálise. Esta é importante, mas arranha um pedaço daquilo que chamamos viver.
Aceitei até que muitos se passaram, e encontro meu venerando professor. Revivo o momento e ele, enfático, afirma:
- Mas tu tinha razão, ele se analisou muitos anos e até por isso, foi homenageado pela Sociedade Psicanalítica Italiana.
Não sei se gostei da conclusão. Acho que preferia a primeira que representa uma vitória da intuição sobre o conceito.
Apesar de tudo, sempre preferi o alma de Arlequim, com sua aguda intuição para sobreviver, me conduzindo do que as verborragias dos Doutores da Comedia Dellarte, personagem popular criados pela sabedoria popular para debochar do saber desligado da ação.
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