PARATY‑HOLLYWOOD (UMA ESTRADA DE AMOR)
(HOMEM, JOVEM, VINTE E POUCOS ANOS, TALVEZ PRÓXIMO AOS TRINTA, BEM ARRUMADO, ELEGANTE E JOVIAL. AR CONFIANTE. ELA, TALVEZ UM POUCO MAIS JOVEM. BONITA, CLARA, FACE ROSADA, PELE BRANCA, ANGELICALMENTE BRANCA. ESTÃO NO BANCO DE UM CARRO. O CENÁRIO NESTE MOMENTO É DE UM PEDAÇO DE CARRO RECORTADO E UMA PROJEÇÃO AO FUNDO. É COMO SE FOSSE UMA BACK PROJECTION AO ESTILO HOLLYWOODIANO E SOBRE A TELA, CORRE UMA ESTRADA. MÚSICA. BASTANTE ALTA. ESTÃO ALEGRE, FELIZES. ELA ESTENDE O BRAÇO PELA JANELA. ELE CANTA JUNTO COM A MÚSICA. TUDO É DESCARADAMENTE FALSIFICADO. FALSAMENTE REAL QUE DEVE SER A AMBIENTAÇÃO DE TODA A PEÇA.)
ELE ‑ (BAIXANDO O VOLUME DO RÁDIO) A palavra é...
ELA ‑ "Quanto mais... menos"
ELE ‑ Quando mais eu te procuro menos encontro!
ELA ‑ Quanto mais feliz menos sinceridade!
ELE ‑ Quanto mais tesão menos amor!
ELA ‑ Quanto mais amor menos tesão!
ELE ‑ Como estava bom a noite passada!
ELA ‑ (TÍMIDA) Vamos continuar no jogo.
ELE ‑ Cansei. Quero falar sobre ontem a noite.
ELA ‑ Não há nada a falar. Tive um orgasmo e foi tudo!
ELE ‑ Você ficou encabulada de dizer: tive um orgasmo!
ELA ‑ Como é que você queria que eu dissesse?
ELE ‑ Com lascívia...
ELA ‑ Credo! (RESPIRA FUNDO) Ai! Férias! Eu adoro férias!
ELE ‑ Ontem a noite, mesmo que você não goste de falar, eu vou te dizer que você estava....
ELA ‑ Estava... ?
ELE ‑ Sabe de uma coisa? Eu te amo! (GRITA) Eu te amo! Amo teu jeitinho miúdo, tímido. É a coisa que eu mais amo em ti é que você ainda fica vermelha quando eu digo um palavrão!
ELA ‑ A palavra é...
ELE ‑ Orgasmo.
ELA ‑ Pára com isso.
ELE ‑ Conta como foi.
ELA ‑ Nada demais. Você achou especial. Para mim foi tudo igual, como sempre.
ELE ‑ O orgasmo não fez diferença?
ELA ‑ Sinceramente, não!
(ELE LEVANTA O VOLUME DO CARRO. OLHA PARA O LADO, UM POUCO IRRITADO. ELA BAIXA O VOLUME.)
ELA ‑ Escuta. É tudo diferente do que você está imaginando.
ELE ‑ Você não tem prazer comigo, não ama o meu pau!
ELA ‑ Você só fala neste seu pau! Queria ver um dia você trepar com alguém sem o seu pau!
ELE ‑ (RI, FASCINADO COM A IDÉIA) Seria meio difícil mesmo.
ELA ‑ O pau é o que menos importa. Por isso, ontem foi bom. Porque você me amou com tudo, com os olhos, com as mãos, com a boca e por último, na hora certa, ocorreu a penetração. Se seu pau não estivesse ali naquela hora, talvez fizesse falta. Mas várias outras vezes, ele estava ali muito antes de ser chamado.
ELE ‑ Viu quantas vezes você falou pau, agora?
ELA ‑ Você me forçou a isso. Vamos inventar um outro jogo.
ELE ‑ Puta que o pariu!
ELA ‑ Quer fazer o favor de falar com mais respeito. Você sabe que eu não gosto de ouvir estas grosserias!
ELE ‑ Como este carro bebe gasolina!
ELA ‑ Não me diz uma coisa destas!
ELE ‑ Desculpe pelo palavrão, mas veja só como este carro consome gasolina! E desta vez eu me preveni. Sei como você ficou magoada na nossa última viagem.
ELA ‑ Tenho medo.
ELE ‑ Não fique com medo. Não vou mais dizer palavrão.
ELA ‑ Não estou mais interessada no seu palavrão. Eu simplesmente não vou ficar na estrada, não desta vez!
ELE ‑ Você fala como se sempre faltasse gasolina e sempre ficássemos nas estrada.
ELA ‑ Mas sempre falta gasolina e sempre ficamos na estrada!
ELE ‑ Uma vez. Quando viajamos para Salvador!
ELA ‑ Só aquela vez para Salvador? E o que você me diz de Recife? Ou nosso fim de semana em Uruguaiana, nossa pescaria em Campo Grande, nossa viagem a Montevidéu ou aquela outra para Buenos Aires?
ELE ‑ Está bem, você tem razão. Acontece sempre. O que posso fazer? Sou um esquecido! Mas desta vez não foi culpa minha!
ELA ‑ Você pensa que as coisas repetem por repetir?
ELE ‑ Eu penso que tomei todo o cuidado para que não repetisse a falta de gasolina, mas afinal você está fazendo uma tempestade num copo de água!
ELA ‑ As vezes me vem um pensamento maluco.
ELE ‑ Qual é a sua maluquice agora?
ELA ‑ Por um momento me veio a idéia que você pudesse fazer isso de propósito.
ELE ‑ Como assim? Que faltasse gasolina deliberadamente?
ELA ‑ Sim. Que de alguma forma que nem mesmo você possa perceber você deseje que a gasolina falte no meio da estrada.
ELE ‑ Isso é absurdo. Embora você não tenha do que reclamar. Você tem as tuas vantagens afinal de contas.
ELA ‑ Que tipo de vantagem?
ELE ‑ O doce sabor da aventura!
ELA ‑ Aventura! Pode ser que você imagine que seja uma aventura, você se esconde atrás do carro. Eu paro no lado da estrada, estendo o braço, levanto um pouco a saia, e abuso dos meus encantos femeninos. Peço uma carona, assim... (GESTO) Paro os carros, me faço de burra e digo: ‑ Ai, eu esqueci de encher o tanque agora não sobrou nem um tiquitinho de gasolina para ir para a casa de minha vovó! E aí os motoristas, geralmente de caminhões, pois são os únicos a ter uma noção de solidariedade nas estradas, os motoristas me levam até o posto mais próximo e depois, repetir toda a manobra para voltar. E encontrar o meu homem, dormindo com os pés na janela, um cigarro apagado no canto da boca, o rádio a todo o volume! Que vulgaridade!
ELE ‑ Pelo jeito que você fala, estes motoristas até que poderia ser uns caras simpáticos...
ELA ‑ É? E como você imagina esta 'aventura'?
ELE ‑ Você para no lado da estrada e deixa aparecer sua coxa. Você tens uma belas coxas como eu digo com frequência embora você nunca te sinta lisonjeada por causa disto. Faz o gesto de carona e o motorista de caminhão que está na estrada há três meses, sem ver mulher, só dirigindo para cima e para baixo, carga e mais carga, suado, lhe abre a porta. Você sobe e fala com naturalidade sobre tudo. Antes de chegarem no posto ele...
ELA ‑ Ele o quê?
ELE ‑ Nada. Por um momento pensei que estes motoristas até poderiam ser bem simpáticos.
ELA ‑ (PROVOCANTE, COM CERTO COQUETISMO) Na verdade alguns até que eram bem simpáticos! Não seriam de se jogar fora, apesar de terem um aspecto truculento, e serem meio grosseirões, até que tem seu charme. Mas, enfim, eu de qualquer maneira não poderia aproveitar preocupada em carregar os galões de gasolina para um lado e para outro.
ELE ‑ Monstro!
ELA ‑ Se tem um monstro aqui ele é você! Nem Deus sabe quantas moças te fazem parar nas estradas quando você viaja sozinho. E você tens viajado muito nos últimos dois anos!
ELE ‑ A trabalho! Sempre a trabalho.
ELA ‑ Mas isso não impede que possa dar uma que outra carona para uma gatinha apetitosa parada ao longo da estrada...
ELE ‑ Na verdade não posso me queixar!
ELA ‑ Viu só quem é o monstro aqui!
ELE ‑ Você ficou com ciúmes!
ELA ‑ (SURPRESA) Eu? Claro que não! (ABRAÇA ELE, DOCE) Mas eu te amo!
ELE ‑ Gostei.
ELA ‑ Que eu te ame?
ELE ‑ Que você tenha ficado com ciúmes!
ELA ‑ Mas eu não fiquei!
ELE ‑ Não precisa negar. Fiquei emocionado pela tua demonstração de ciúmes.
ELA ‑ Você gosta de imaginar o que eu sinto, mas desta vez te enganou. Não senti.
ELE ‑ Você teima em fingir que não sente. Que não tem emoções. Teima em deixar tudo rigorosamente acético.
ELA ‑ E tu, não?
ELE ‑ Nunca pensei que ciúmes pudesse ser comovente!
(FICAM EM SILÊNCIO. MUDA A LUZ GRADUALMENTE COMO SE FOSSE ENTARDECER.)
ELA ‑ Olha, que bonito!
ELE ‑ A coisa que eu mais amo em ti é a tua pureza!
ELA ‑ (OLHANDO O SOL SE PONDO) E a gasolina?
ELE ‑ Mal.
ELA ‑ (SAINDO DO ÊSTASE) Meu Deus!
ELE ‑ Posto de gasolina, ali, a 500 metros!
ELA ‑ Graças!
(CHEGAM AO POSTO. MOVIMENTO COMO SE ESTIVESSE UM CAMINHÃO NA FRENTE. UMA DISCRETA DEMORA.)
ELE ‑ Parece que chegamos em má hora! (GRITA) Vai demorar?
VOZ DE FORA ‑ Um minuto, estamos reabastecendo as bombas!
ELA ‑ Então com licença. (SAI DO CARRO)
ELE ‑ Onde é que você vai?
ELA ‑ (EMBARAÇADA) Respirar um pouco. Ficar sozinha, já volto!
ELE ‑ (PROVOCANDO) Vai a algum lugar em especial?
ELA ‑ Quero caminhar um pouco. Esticar as pernas.
ELE ‑ (JOCOSO) É mesmo?
ELA ‑ Sim, porque?
ELE ‑ (AGRESSIVO) Pensei, por um momento, que você estivesse querendo mijar!
ELA ‑ Você sabe que eu não gosto que você use esta palavra. As pessoas podem ouvir!
(PEQUENA PASSAGEM DE TEMPO. ELA ESTÁ CAMINHANDO PELA ESTRADA. AR INGÊNUO, SONHADOR. RONCO DO MOTOR DO CARRO. ELA SE COLOCA A BEIRA DA ESTRADA. DOBRA O CORPO, ESTENDE O BRAÇO E AGITA O POLEGAR. ESTE GESTO DE CARONA DEVE TER UMA PONTUAçÃO ESPECIAL. RUIDO DE FREIADA. ELA SE APROXIMA ELE ABRE A JANELA E FALA ATRÁVES DELA.)
ELE ‑ (INICIANDO DEFINITIVAMENTE O JOGO) Para onde vai?
ELA ‑ Estou subindo, para o norte!
ELE ‑ Então... Entre, por favor. É para onde eu vou! Estou com sorte!
ELA ‑ Por que?
ELE ‑ Há cinco anos que dirijo nesta estrada e nunca dei carona para uma moça tão bonita!
ELA ‑ Verdade? Você parece o tipo de pessoa que seria capaz de mentir muito bem!
ELE ‑ Você acha que tenho cara de mentiroso?
ELA ‑ Quer que eu diga realmente a verdade?
ELE ‑ Deixo isso a seu critério!
ELA ‑ Você tem cara de quem gosta de mentir especialmente para as mulheres!
ELE ‑ E isso te incomoda? Quero dizer se incomoda que eu diga mentiras, se incomoda de verdade!
ELA ‑ Certamente me incomodaria, se eu fosse tua namorada ou tua esposa!
ELE ‑ Então isso não te incomoda já que não te conheço.
ELA ‑ Como eu também não te conheço, te perdôo!
ELE ‑ (COM TRISTEZA) Uma mulher sempre perdoa com mais facilidade um estranho que um marido ou namorado!
ELA ‑ Não sei porque ficaste magoado! Vamos nos separar daqui a poucos kilometros!
ELE ‑ Por que?
ELA ‑ Por que somos dois desconhecidos e esta carona vai me levar até alguns kilometros adiante. Depois...
ELE ‑ Depois?
ELA ‑ Quem sabe o que vem depois?!
ELE ‑ E se eu fosse contigo, se desejasse saber o que vem depois e descesse contigo daqui a alguns kilometros? Você se preocuparia?
ELA ‑ Me preocuparia se eu pensasse no que você poderia fazer comigo, mas nunca fez.
ELE ‑ Nunca fiz porque nunca te encontrei antes.
ELA ‑ Vamos parar?
ELE ‑ Por que? Estou gostando. Gostando de imaginar o que eu faria com uma moça tão bonita!
ELA ‑ (IRRITADA) Você confunde teus desejos com a realidade!
(SILÊNCIO. CARRO ANDA PELA ESTRADA. RÁDIO ANUNCIA CHUVAS E DESABAMENTOS NA BR. ELE ESTÁ TENSO. ROSTO CRISPADO. COM A MÃO ESQUERDA DIRIGE, COM A DIREITA TOCA NO BRAÇO DELA.)
ELE ‑ (MURMURADO) Diana!
ELA ‑ (DESVENCILHA‑SE) Acho que o senhor está andando um pouco depressa demais. Não ouviu sobre os desabamentos na BR?
ELE ‑ (VOLTA AO JOGO) Desculpe, senhorita.
ELA ‑ (COM PENA) Não quis magoa‑lo. Pode se aproximar se quiser.
ELE ‑ Não vou mais tocá‑la. Afinal, amo a minha mulher. E ela nem sonha que estou dando carona para uma moça, ainda mais bonita como você, com sua lindas pernas.
ELA ‑ Como sabe que as minhas pernas são lindas?
ELE ‑ Imaginei. Mas não vou imaginar mais. Não quero provocar teu ciúmes. Nem que você fique encabulada.
ELA ‑ (COM DESDEM) Por que ficaria com ciúmes? Ou encabulada? E mais a mais, as minhas pernas são realmente bonitas! É o que dizem todos os motoristas de caminhão desta rota!
ELE ‑ Claro! E mais a mais você não passa de uma caroneira desconhecida.
ELA ‑ E você de um motorista desconhecido.
ELE ‑ Se você quer assim...
ELA ‑ Eu quero assim.
ELE ‑ Para mim está ótimo!
ELA ‑ Está ótimo para mim também!
ELE ‑ Ótimo!
ELA ‑ Ótimo!
(SILÊNCIO)
ELE ‑ Sabe de uma coisa?
ELA ‑ Não sei e não quero saber!
ELE ‑ Não estou entendendo mais nada.
ELA ‑ E eu estou entendendo cada vez mais!
ELE ‑ Sabe de uma coisa? O que eu mais gosto na vida é andar por aí, despreocupadamente.
ELA ‑ (PARA ELE) É. (PARA SI MESMA) Não consigo entender o que está acontecendo comigo.
ELE ‑ Sabe por que?
ELA ‑ Como?
ELE ‑ Sabe por que eu gosto de andar por aí, despreocupadamente? Porque a minha vida é como uma estrada, só que de um rigor implacável!
ELA ‑ O que você está dizendo? (PARA SI MESMA) O que ele está dizendo?
ELE ‑ Rigor implacável. Oito horas de tédio. Tédio diário, obrigatório, reuniões intermináveis, pessoas chatas, mesquinharias, viagens. Uma usurpação da minha vida privada, não tenho hora para nada.
ELA ‑ Pelo menos em casa você deve ter alguns prazeres...
ELE ‑ Nem tanto. Minha mulher é uma chata. Imagina que encabula cada vez que elogio sua coxas! E na cama então, um verdadeiro desastre! Nunca está satisfeita com nada. Não posso ao menos falar um palavrão, 'mijar' que ela fica vexada!
ELA ‑ Mas pelo menos você tem férias.
ELE ‑ Quinze dias. É o que preciso. Pelo menos quinze dias.
ELA ‑ De qualquer maneira tua vida é melhor que a minha.
ELE ‑ Você não me falou se é casada.
ELA ‑ Sou, com um babaca. Passa os dias trabalhando. Pensa que édisso que eu preciso. Compra tudo para a casa, máquina
de lavar roupa, batedeira, espremedor de frutas, forno de micro‑ondas, etc. Ainda por cima vive achando que tudo que uma mulher deseja de um homem é que seu pau fique duro e lhe penetre! Doce ilusão. É tudo muito mais difícil!
ELE ‑ Que mais que uma mulher quer além de todo o conforto e de um pau que lhe penetre?
ELA ‑ É claro que você está brincando. Esta pergunta nunca poderia ser feita por um homem já que ele obviamente saberia. Qualquer homem sabe!
ELE ‑ E no caso de não saber...
ELA ‑ Teria que descobrir por si só.
ELE ‑ E no caso de uma mulher? O que ela deveria saber sobre os homens?
ELA ‑ As mulheres, pela própria natureza maternal, não teria tal dúvida.
ELE ‑ Então você é uma mulher que dispensaria um homem?
ELA ‑ Os homens são indispensáveis. Mas este é um caminho estranho.
ELE ‑ Para onde você disse que ia mesmo?
ELA ‑ Norte! E você?
ELE ‑ Sul.
ELA ‑ Vejam só. Pensei que iriamos para Parati.
ELE ‑ Enganou‑se, estamos indo para Hollywood!
ELA ‑ Hum, Parati‑Hollywood... Interresante. Você disse que tinha uma namorada ou uma esposa. Onde ela está!
ELE ‑ Morta no porta‑mala deste carro!
ELA ‑ Espero que não começe cheirar.
ELE ‑ Não se preocupe, ela tem dignidade demais para deixar sua carne apodrecer. Aliás a palavra que você deveria ter usado éfedor. Deveria ter dito assim: ‑ Espero que ela não começe a feder!
ELA ‑ Por que deveria falar assim.
ELE ‑ Porque o teu pudor lembra uma pessoa.
ELA ‑ Que morreu?
ELE ‑ Quase, enlouqueceu!
ELA ‑ Homem ou mulher?
ELE ‑ Mulher.
ELA ‑ Coitada, deve ter tido companheiros ruins!
(ELE SE IRRITA. NOVO SILÊNCIO.)
ELE ‑ O que você disse que iria fazer no norte?
ELA ‑ Tenho um encontro.
ELE ‑ Com quem?
ELA ‑ Com um homem. Um senhor.
ELE ‑ E o seu marido?
ELA ‑ Por acaso falei que tinha marido?
ELE ‑ Falou? Não lembro.
ELA ‑ Tanto faz. Ele é um babaca que vive viajando. Não imagina que enquanto ele viaja em seu trabalho, eu ficou por aqui nas estradas, norte, sul, leste, oeste.
ELE ‑ E esse senhor, o que tem ele de importante para você trair desta forma seu marido?
ELA ‑ Nada. Está é a maior vingança. Este senhor não tem nada melhor que o meu marido. É velho, enquanto que meu
marido é bonito. É meio brocha enquanto que meu marido vive de pau duro! E esse senhor, ainda por cima, tem o pau bem pequeno, muito menor que do meu marido.
ELE ‑ Mas então por que fica com ele?
ELA ‑ Por que ele me trata como uma mulher!
ELE ‑ E o que você faria se eu impedisse que fosse a este encontro com este velho brocha?
ELA ‑ Alguém teria que tomar conta de mim, no caso, você!
ELE ‑ Você ainda não percebeu que não estamos indo nem para o norte nem para o sul. Estamos indo para lugar nenhum!
ELA ‑ Tem razão. Você perdeu a cabeça!
ELE ‑ Não se assuste, não é preciso ter medo. Eu tomo conta de você!
ELA ‑ Não estou assustada, não tenho medo, não preciso que você tome conta de mim!
ELE ‑ Pode repetir isso?
ELA ‑ Não preciso que tome conta de mim.
ELE ‑ Não é o que sempre fala. Você sempre falou que eu era especial, que me amava acima de qualquer coisa. Que eu era um homem sensível. Que...
ELA ‑ Nunca falei contigo antes!
(ELE FREIA. PARA O CARRO. ABRE A PORTA PARA ELA.)
ELE ‑ Então desce! Desce! (ELA VACILA. FICA SENTADA)
ELA ‑ Você não falou que ia para o norte? Isso não jeito de tratar um senhorita!
ELE ‑ Eu vou onde quero, senhorita! Sou um homem livre, faço o que bem entendedo e o que me agrada! Agora, faça o obséquio de descer!
ELA ‑ (COMEÇA A SE DESMANCHAR, INFANTIL) Então, se você é tão poderoso, independente, forte, bonito, sensível, me leva junto. Por favor, me salve do meu marido que é um desgraçado! Por favor, faço qualquer coisa, mas me leva junto, cuida de mim!
ELE ‑ Está bem.
(VITORIOSO, ASSOBIA, VOLTA AO CARRO, MUDANÇA DE LUZ, ESCURECE MAIS AINDA)
ELE ‑ Você não tem medo de subir e descer por estas estradas, esse perigo todo?
ELA ‑ Que perigo você está se referindo?
ELE ‑ Não tem medo, por acaso, de ser violentada?
ELA ‑ Tenho medo de ser violentada por você.
ELE ‑ Por que por mim?
ELA ‑ Na verdade gostaria mesmo de ser violentada para que você não me violasse.
ELE ‑ Você está querendo dizer que gostaria de ser violentada para que eu não te violasse?
ELA ‑ É simples: se você me violasse eu poderia pensar em outra coisa, simplesmente isso. Mas se você desejasse se aproximar de mim, tocar o meu pensamento, aí sim, aí neste momento eu seria verdadeiramente violentada.
ELE ‑ Já aconteceu isso muitas vezes comigo. Eu estou me referindo a estuprar minha mulher e pensar em outras coisas. Você já pensou na quantidade de coisas que se pensa enquanto se trepa?
ELA ‑ O que você pensa quando trepa com sua mulher?
ELE ‑ Deixa eu ver... Ontem a noite por exemplo.
ELA ‑ É ontem a noite... O que você pensou?
ELE ‑ Pensei em pagar o aluguél da garagem, quando eu a beijei pela primeira vez. Depois a senti nos meus braços e pensei num macaco peludo que vi no zoológico quando tinha seis anos. Ele pulava e se agarrava nos galhos secos e mergulhava os longos dedos em tijelas de água suja.
ELA ‑ Interessante, continue.
ELE ‑ Alguma parte que você deseje saber em especial?
ELA ‑ Digamos, quando você beijou os seios...
ELE ‑ Naquele momento temi que meu pau brocharia, pois senti um cheiro de leite e o corpo de minha mulher estava coberto de um odor umbilical. Mas logo me recompus, tomei conta da situação fazendo que ela chupasse meu pau. Nesta hora pensei de como as girafas tem pescoço cumprido.
ELA ‑ A penetração?
ELE ‑ Foi o único momento em que eu estava presente. As peles se tocaram, as mucosas se umdecerem e eu senti uma coluna de sangue e carne atravessando os corpos, fusionados, deslizei para dentro dela, desaguando minha alma.
ELA ‑ Afinal alguma coisa aconteceu.
ELE ‑ E você?
ELA ‑ Eu nunca pensei em nada enquanto trepo. Apenas tenho medo da hora da penetração. E também gosto de olhar nos olhos enquanto transo. Nunca de olhos fechados. O mais belo são os olhos. Gosto de ser possuida pelos olhos. Só do olhar não há fuga.
ELE ‑ E as palavras? Você não gosta de dizer nada?
ELA ‑ O que um homem e uma mulher dizem na hora do sexo são palavras que não podem ser repetidas. Tornaria o amor vulgar. Mas de qualquer maneira são as palavras mais belas que já pude dizer.
ELE ‑ E nestas horas, desculpe a insistência das perguntas, mas nestas horas você não ficam com vontade de gritar o nome da pessoa com quem você está... enfim, não fica com vontade de gritar o nome dele?
ELA ‑ Eu grito o nome dele principalmente na hora de gozar. Acho que fico tão confundida com ele que tenho que gritar seu nome para poder voltar a mim.
ELE ‑ Eu gostaria de poder gritar o nome de todos os sentimentos que tenho nesta hora, mas o que resta é um uivo que nunca sei se é de dor ou prazer.
ELA ‑ Gozar é muito delicioso, mas confesso que chegar até lá me cansa, envolve um esforço satãnico que na maioria das vezes provoca tédio.
ELE ‑ Por isso os amores anônimos são tão importantes.
ELA ‑ Você tem razão. Um amor sem nome, como uma estrada vazia pela frente, sem obrigações, sem contas para pagar, sem macacos peludos é sempre melhor.
ELE ‑ A única coisa que um amor precisa é um endereço. E horário livre... Full time, free... Acordo todos os dias com muito tesão, mas quando volto para casa não tenho vontade de nada... Um uísque e mais nada.
ELA ‑ Por isso não tenho medo de estar aqui com você... Não temos endereço algum... Talvez devesse dizer o meu nome ou que você dissesse o seu...
ELE ‑ Prefiriria trepar com você sem saber o teu nome, assim você não correria o risco de ser tocada por mim em seu pensamento.
ELA ‑ Um amor sem nome, sem cor...
ELE ‑ Um endereço e um corpo, o calor do corpo...
ELA ‑ Endereço será impossível nesta estrada.
(ANOITECE)
ELE ‑ Estou cansado. Vamos parar num Motel qualquer e dormirmos um pouco!
ELA ‑ Quer que eu dirija?
ELE ‑ Você não sabe dirigir!
ELA ‑ Como é que você sabe que eu não sei dirigir? Você não me conhece!
ELE ‑ Mas eu conheço as mulheres! Elas tem medo de dirigir nas estradas. Ainda mais quando anoitece!
(MOVIMENTO DO CENÁRIO. NEON DE UM MOTEL. ELES PARAM. OUVESSE O SOM DE UM JAZZ SINCOPADO, VOZES. TUDO DÁ A IDÉIA QUE HÁ UM GRANDE MOVIMENTO, MUITA GENTE.)
ELE ‑ Vamos descer.
ELA ‑ Agora, que eu quero ver se você sabe mesmo me cuidar!
(SAEM DO CARRO. MUDANÇA DE CENÁRIO.SILUETAS RECORTADAS DE PESSOAS SENTADAS EM VOLTA DE MESAS. FUMAÇA INTENSA, JAZZ SOA MAIS ALTO.)
ELA ‑ Gostei do movimento!
ELE ‑ Tipo do bar vulgar! Sabe o que é incrível?
ELA ‑ Não, mas tenho certeza que você vai me dizer logo logo!
ELE ‑ Estou me sentindo bem! Há muitos anos que não me sinto tão bem!
ELA ‑ Eu também sabe que eu gostaria de cortar os cabelos, um corte moderno, mudar completamente meu rosto no espelho. Quando eu era um menina, meu pai costumava cortar meus cabelos. Segurava as pontas com dois dedos e deslizava com suavidade a tesoura, depois escovava e me embalava em seu colo.
ELE ‑ E depois?
ELA ‑ Depois de cortar o cabelo?
ELE ‑ Depois de mudar o rosto no espelho, depois, não sei se você já notou mas depois não tem mais volta.
ELA ‑ Então... em direção ao... depois!
ELE ‑ Ao depois!
ELA ‑ Vamos dançar? Meu marido odeia dançar!
ELE ‑ Estou começando a concordar contigo.
ELA ‑ Com o quê?
ELE ‑ Este seu marido é mesmo um babaca! Vamos dançar! Eu adoro esta música, me dá vontade de me pular, gritar.
ELA ‑ Grite!
ELE ‑ Não poderia!
ELA ‑ Por que?
ELE ‑ Sou um homem de negócios. Não fica bem. Imagina se por acaso algum cliente importante estiver aqui?
ELA ‑ E o que um cliente importante estaria fazendo aqui nesta espelunca de terceira?
ELE ‑ Mesma coisa que nós.
ELA ‑ Ora, se este tal cliente estiver aqui é provável que ele também esteja com vontade de gritar!
ELE ‑ Eu vou gritar...
ELA ‑ Grita!
ELE ‑ Olha que eu grito mesmo.
ELA ‑ Grita, vai ser bom.
ELE ‑ Eu grito mesmo!
ELA ‑ Se você gritar eu grito também!
ELE ‑ Grita?
ELA ‑ Grito!
ELE ‑ (GRITA) Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
ELA ‑ Gostei desta.
ELE ‑ Não vai gritar? Vamos é muito bom. Estou a fim de gritar de novo. As pessoas precisam de motivos para gritar. Eu gritei sem motivo algum! Vamos é a sua vez.
ELA ‑ Aaaaaaaaaaaaaaaaaa!
ELE ‑ Aaaaaaaaaaaaaaaaaa!
ELA ‑ (OS DOIS ESTÃO RINDO) Você me surpreendeu!
ELE ‑ Vamos dançar?
(MÚSICA TOMA UM CLIMA MAIS FORTE E ELES DANÇAM COM GARRA, SENSUALIDADE, OLHO NO OLHO, CORPO SE PROVOCANDO. MUDA A MÚSICA E A LUZ, MÚSICA LENTA, UM BLUES ROMÂNTICO, GLOBO DE ESPELHOS GIRA E ESPALHA PEQUENOS FOCOS DE LUZ.)
ELE ‑ Vou te dizer uma coisa que nunca disse para ninguém, nem para a minha mulher. Você tens os olhos lindos e só de olhá‑lo me dá um tesão por todo o corpo. Mas não é tesão, tesão só, um pau duro seguido de uma ejaculação, é uma coisa a mais. Um espaço de alegria, de satisfação que se abre dentro de mim que nunca tinha sido aberto.
ELA ‑ Na casa de minha mãe tinha porta que durante toda a vida nunca vi ser aberta. Muitas vezes ficava me perguntando para onde iria aquela porta. Hoje fico me perguntando qual o sentido de uma porta que segue fechada durante toda a vida!
(ELE BEIJA O PESCOÇO DELA, APERTA CONTRA O CORPO. ELA GOSTA.)
ELA ‑ Ah! Você sabe mesmo tratar uma mulher!
ELE ‑ Podemos parar com este jogo. Estou ficando excitado! Te quero, te desejo. Te amo.
ELA ‑ Também te quero, meu Deus como eu te quero!
ELE ‑ Vou te dizer uma coisa. Não vai rir?
ELA ‑ Por que poderia rir?
ELE ‑ Promete?
ELA ‑ Prometo!
ELE ‑ Este é o momento mais lindo da minha vida!
(MÚSICA PARA. TEMPO COM ELES PARADOS NA MESMA POSIÇÃO. COMEÇA OUTRA MÚSICA. ELES BEIJAM‑SE. UM BEIJO CALMO, SUAVE, BELO. DURANTE O BEIJO VÃO SE AGITANDO, PASSANDO DO DOCE PARA O VIOLENTO. ELA SE SOLTA DO ABRAÇO. Dá UM TAPA.)
ELA ‑ (SÉRIA) Você tinha certeza que eu acharia graça, não é? Mas eu não estou achando nada disso engraçado. E sabe por que? Por que eu estou realmente gostado. Oh!Deus! Há quanto tempo não me sentia tão bem?! (VOZ ALTA, AFETADA, DANÇANDO PARA TODO O BAR VER.) Muito bem!
ELE ‑ Terminou o jogo. Pronto, não precisa exagerar!
ELA ‑ Agora mesmo é que não terminou! Agora estou gostando! Adorando!
ELE ‑ Não faça escândalo.
ELA ‑ Eu faço o que quero. Afinal sou uma mulher livre!
ELE ‑ Vamos sentar! Vou pedir um jantar. Depois vamos dormir e seguir viagem! Para o norte.
ELA ‑ Eu quero mais. Não pára agora, por favor!
ELE ‑ Chega. Já foi o bastante! Você está chamando muita atenção.
ELA ‑ Isso incomoda?
ELE ‑ O bar inteiro está olhando para você!
ELA ‑ Você é um imbecil! Não está vendo que não há ninguém neste bar. A não ser você! Vem continua dançando. Quero ver
suas coxas, rebola, mexe a bunda, isso, assim... Mostra os teus músculos.
(ELE ENTRA UM POUCO NO JOGO, DANÇA SENSUALMENTE, MAS LOGO ENCABULA APESAR DOS INCENTIVOS DELA.)
ELE ‑ Chega. Aquele homem está olhando!
ELA ‑ Você estava indo tão bem. Agora é a minha vez.
(ELE COMEÇA A DANÇAR DE FORMA SENSUAL.)
ELE ‑ (ENCABULADO, SEM JEITO) Ei... Psiu... Quer parar... Por favor... (IRRITADO, GRITA) Chega!
ELA ‑ Não chega! Quero mais! Muito mais! Medroso! Você tem muito medo quando eu quero mais, os homens tem medo quando uma mulher quer mais e agora eu quero.
(ELA COMEÇA A DANÇAR COM LASCÍVIA. ELE PERDE A PACIÊNCIA E VAI SE SENTAR. ELA DANÇA SOZINHA. ASSOBIOS, GRITOS, O BAR INTEIRO VIBRA. ELA TIRA UMA JAQUETA, GIRA, CAMINHA ATÉ A MESA, SEMPRE SOB A VIBRAÇÃO DOS HOMENS DO BAR ‑ EM OFF ‑ DANÇA PARA ELE, ELE OLHA PARA O CHÃO, ELA PÁRA, PROTESTOS PEDEM QUE CONTINUE, DÁ DE OMBROS E SENTA. ELE ESTÁ VISIVELMENTE IRRITADO PROCURA UM GARÇON.)
ELE ‑ Você quer um aperitivo?
ELA ‑ Vodca!
ELE ‑ Espero que você não se embriague!
ELA ‑ Tem medo?
ELE ‑ De quê? Que você se embriague?
ELA ‑ É. Medo que eu me embriague.
ELE ‑ Você realmente deseja ir até o fim, não?
ELA ‑ Talvez... Quem sabe o que nos espera o destino.
ELE ‑ Está bem. Se você insiste. Vamos ver até onde podemos ir. (BRINDANDO, AGRESSIVO, COM ÓDIO) Saúde!
ELA ‑ (ELA PÁRA, COMEÇA A RIR.) Será que você não pode encontrar nada mais original?
ELE ‑ Não vou beber exatamente a sua saúde, mas a saúde de sua espécie, que alia as piores qualidades de um homem com as melhores de um animal!
ELA ‑ Quando você fala em 'espécie' está se referindo a nós mulheres? Eu quero dizer a todas as mulheres?
ELE ‑ Não. Somente as que se parecem com você!
ELA ‑ Não deixa de ser belo o que você disse apesar de não ser nada espirituoso comparar as mulheres aos animais!
ELE ‑ Então, não vou beber a saúde de suas semelhantes, mas a sua alma, concorda?
ELA ‑ Vamos ver, continue...
ELE ‑ A sua alma que se incendeia de vulgaridade quando desce da cabeça até a buceta.
ELA ‑ Entendido, à minha alma que desce até a minha buceta.
ELE ‑ Uma pequena retificação. Bebamos a teu ventre, de preferência a teu ventre para onde desce a tua alma.
ELA ‑ A meu ventre! (IRÔNICA) A buceta eu esqueço?!
ELE ‑ E bebamos também a teus seios. Estes dois pedaços de carne, caída, balançando sobre teu peito, sobre a barriga...
ELA ‑ Como você se assusta quando eu me excito! (BRINDANDO) Aos meus dois pedaços de carne, balançando e caída que incedeiam a paixão superior da alma do homem!
ELE ‑ Que incendia de paixão a superioridade da alma do homem!
ELA ‑ Superioridade da paixão, em detrimento do amor.
ELE ‑ Amor, amor. A mulheres se procupam com o amor. Por isso bebo a vulgaridade dos teus sentimentos.
ELA ‑ E a pobreza dos teus!
ELE ‑ E a tua sensualiade, tua femenilidade, a tua atração!
ELA ‑ E a tua razão, tua virilidade, tua potência!
ELE ‑ Esta frase não caiu bem na tua personagem!
ELA ‑ Como é que você sabe? Nunca conheceu uma mulher como eu!
ELE ‑ Conheci muitas mulheres. E elas não se diferem umas das outras, todas dizem que todos os homens são iguais!
ELA ‑ Todos os homens são iguais.
ELE ‑ Viu só.
ELA ‑ Eu menti só para confirmar a tua tese!
ELE ‑ Alma caridosa!
ELA ‑ Idiota!
ELE ‑ Eu bebo a tua agressão!
ELA ‑ E eu enchi o saco e não bebo mais a porra nenhuma! Com licença.
ELE ‑ Posso perguntar onde a senhorita vai?
ELA ‑ Vou mijar! Talvez cagar! Ou talvez ainda esteja menstruada!
ELE ‑ Quem diria que você dissesse isto!
ELA ‑ O quê?
ELE ‑ Isto... que você acabou de falar...
ELA ‑ Mijar? (GRITANDO) Atenção pessoal, eu vou mijar.
(APLAUSOS, ELA GIRA E LOGO VOLTA.)
ELE ‑ Você demorou!
ELA ‑ Sentiu a minha falta?
ELE ‑ Não. Imaginei que isto tudo não estivesse acontecendo!
ELA ‑ Pois está! Imagine que um sujeito ali, me perguntou: ' ‑ quanto senhorita?'(RI)
ELE ‑ Não sei por que você acha graça, você tem mesmo uma aparência de puta!
ELA ‑ Estou rindo por que pensei que aquele homem poderia ser o teu cliente importante!
ELE ‑ Não seja imbecil! O que um cliente importante estaria vendo em você que eu não veja?
ELA ‑ Nada, mas sabe o que me impressionou mais? É que não estou nem ligando. Achei engraçado!
ELE ‑ Você deveria se dar a este meu cliente!
ELA ‑ Eu sei, mas já que estou com você, prefiro ser fiel. Sempre fui fiel!
ELE ‑ Como todas as mulheres!
ELA ‑ É, você realmente come todas as mulheres. Espero que se saia bem comigo. Há dois anos que o meu marido não funciona adequadamente! Este seu beijo até que foi estimulante.
ELE ‑ Mas seu eu falhar você pode chamar o tal sujeito, meu cliente que lhe interessa.
ELA ‑ Ele não me interessa.
ELE ‑ Você naturalmente pode combinar para encontrá‑lo mais tarde, desde que você não se incomode de fuder com mais de um homem numa mesma noite.
ELA ‑ A noite foi feita para fuderem quantos homens forem necessários! Desde que sejam gostosos é claro! O seu cliente é!
ELE ‑ Você preferiria um depois do outro ou os dois ao mesmo tempo?
ELA ‑ Primeiro um, depois o outro, depois os dois ao mesmo tempo.
ELE ‑ E você sentiria mais prazer quando eles estivessem em cima ou embaixo de seu corpo?
ELA ‑ Prefiro com eles embaixo, os homens sempre embaixo!
ELE ‑ E já namorou mais de um ao mesmo tempo?
ELA ‑ Muitas vezes, na época do meu namorado babaca, enquanto ele viajava!
ELE ‑ (ENFURECIDO) Vamos embora!
ELA ‑ Para onde?
ELE ‑ (GRITANDO, FURIOSO) Não me faça mais perguntas idiotas. Vou te mostrar o que eu faço com as mulheres que me pedem carona! Vamos!
ELA ‑ (GRITANDO TAMBÉM) Olha como você fala comigo!
ELE ‑ (GRITAM, MÚSICA SOBE) É assim que eu falo com tudo que éputa de beira de estrada!
(MÚSICA MAIS FORTE. TENSÃO. ELE A EMPURRA, SE BATEM, MUDANÇA DE CENA. ENTRA EM CENA UMA CAMA, SAEM AS MESAS, SÓ OS DOIS. MÚSICA CESSA DE REPENTE. ESTATIZAM, OFEGANTES.)
ELE ‑ (TEMPO, RESPIRAÇÃO PESADA) Então, o que está esperando? Tira a roupa!
ELA ‑ (CALMA, SUPERIOR) Você acha realmente necessário?
ELE ‑ (APANHA UMA NOTA, AMASSADA, ATIRA NO ROSTO DELA) Isto chega?
ELA ‑ (ELA EXAMINA O DINHEIRO) Não dá prá dizer que você éverdadeiramente generoso!
ELE ‑ Você não vale mais que isso!
ELA ‑ (ESTÁ CALMA, SENSUAL, ENCOSTA‑SE NELE) Você está se comportando muito mal comigo. Logo eu que posso gratificar todos os seus instintos! Ora, vamos, seja mais gentil. Eu sei que para você é difícil, mas faça um esforço!
(ELA SE APROXIMA MAIS, PASSA A MÃO PELO PEITO. BEIJA O CORPO DELE, MOVIMENTOS SENSUAIS. BEIJA A BOCA, ELE FICA PASSIVO, APENAS CEDE POR UM TEMPO, DEPOIS AFASTA A MULHER, APERTANDO O PULSO COMO UMA QUEDA DE BRAÇO.)
ELE ‑ Só beijo as mulheres que amo!
ELA ‑ E a mim, por acaso você não me ama?
ELE ‑ (FECHANDO OS OLHOS, APERTANDO MAIS AINDA O BRAÇO) Não!
ELA ‑ Diga isso olhando para mim. Me olhe! (ELE FOGE) Vamos, olhe no meu olho e diga: a quem você ama?
ELE ‑ Isso não é da sua conta!
ELA ‑ (SINCERA, CARINHOSA, COMO NO INÍCO DA PEÇA) Você ama uma mulher tímida, de corpo quase infantil, que fica vermelha a ouvir uma palavrão, que não tem orgasmos, que... Olha prá mim! Sou eu! É mim que você ama. Vamos parar com isso tudo! Acabou o jogo!
(TEMPO. ELA PÁRA, CHORANDO, CORPO EXPOSTO. ELE A EXAMINA. VAI NA DIREÇÃO DELA E TERMINA DE TIRAR A ROUPA.)
ELE ‑ Vamos acabar logo com isso!
ELA ‑ Acabou, não percebe? Acabou tudo!
(ELA FICA NUA, ELE SE AFASTA.ELA SE MOVE.)
ELE ‑ Fique aí, parada! Fique aí parada para que eu a veja melhor!
ELA ‑ Acabou, vamos embora. Chega de férias! Vamos voltar a ser o que sempre fomos!
ELE ‑ Como você fica ridícula nua!
ELA ‑ Antes que seja tarde! Depois não tem mais volta.
ELE ‑ Já chegamos no depois. Deita! Vamos, deita que você foi paga para isso.
ELA ‑ Por favor, vamos parar com isso antes que seja tarde demais!
ELE ‑ Já é tarde demais! Deita e cala a boca! Abra as pernas, você foi paga para isso!
ELA ‑ Por favor, Arthur...
ELE ‑ (SURPREENDIDO AO OUVIR O SEU NOME.) Não me chame pelo meu nome. Não te dei estas intimidades! Além do mais, você ainda não sabe que meu nome é Arthur. Não te falei nada sobre isso.
(PAUSA. ELA RELUTA, FAZ UMA SAUDAÇÃO MILITAR, REQUEBRA E ENTRA NO JOGO, AGINDO COMO UMA PROSTITUTA.)
ELA ‑ Ai, benzinho, não me lembro de ter ouvido o teu nome!
ELE ‑ Eu não disse!
ELA ‑ E qual é então?
ELE ‑ Arthur.
ELA ‑ Bonito nome, mas não importa seu nome. Quero que você me coma! Vamos, vem, enfia dentro de mim. Me abraça, me beija!
ELE ‑ Já disse que só beijo as mulheres que eu amo!
ELA ‑ Não quer saber o meu nome?
ELE ‑ Não precisa.
(DERRUBA‑A NA CAMA. FAZEM AMOR. VIOLENTO, GESTOS BRUSCOS, SEM SENTIMENTO, SEM AMOR. GEMEM, ELE GOZA E ELA TENTANDO SEMPRE SE DESVINCILHAR. A CENA EVOLUI DE UMA AGRESSIVIDADE PARA UMA SENSUALIDADE ESPANTOSA. ELE É EMPURRADO PARA FORA DA CAMA. ELA COSPE, LIMPANDO A BOCA.)
ELA ‑ Agora você passou da conta! Você passou todos os limites! Sai daqui! Seu porco, assassino!
(OS DOIS SENTAM NA CAMA.)
ELE ‑ (RISO, MEIO LOUCO) É verdade! Passei dos limites, mesmo! Nunca pensei que pudesse ser tão bom!
ELA ‑ (LOUCA) Você não acredita, mas eu gostei!
ELE ‑ Acredito, claro que acredito. (ENLOUQUECIDO, VIRA O ROSTO, APARECE O PERSONAGEM DO COMEÇO DA PEÇA.) A que ponto chegamos!
ELA ‑ (CULPADA) Não deviamos ter ido tão longe!
ELE ‑ (VIRA O ROSTO, LOUCO.) Nunca tive tanto prazer!
ELA ‑ (ASSUSTADA) Nem eu!
ELE ‑ (VIRA O ROSTO) Sou um idiota!
ELA ‑ (ARREPENDIDA) Por que, meu Deus, por que?
ELE ‑ Foi bom, muito bom não foi?
ELA ‑ Foi bom, demais! (CHOCADA COM ELA MESMA) Não sei mais o que fazer...
ELE ‑ Foi muito...
ELA ‑ Bom, muito...
(OS DOIS VÃO DIMINUINDO A VOZ, MURMURANDO. ELA COMEÇA A CHORAR, PRIMEIRO BAIXINHO, DEPOIS MAIS FORTE. AGORA ESTÃO UM DE COSTAS PARA O OUTRO. AFASTADOS. COM O BRAÇO ELA APALPA A CAMA EM BUSCA DE ALGUÉM. SEMPRE DE COSTAS. ELE FAZ A MESMA BUSCA. MÚSICA. TROCAM DE LUGAR NA CAMA. SEMPRE DE COSTAS, PROCURANDO NO ESCURO. MURMURAM PALAVRAS INCOMPREENSÍVEIS. ELE APANHA UMA TESOURA. PEGAM AS MALAS, TIRAM AS ROUPAS. RITMO SE ACELERA.)
ELE ‑ A palavra é...
ELA ‑ "Quanto mais... menos"
ELE ‑ Quando mais eu te procuro menos encontro!
ELA ‑ Quanto mais feliz menos sinceridade!
ELE ‑ Quanto mais tesão menos amor!
ELA ‑ Quanto mais amor menos tesão!
ELE ‑ Quanto mais prazer menos amor
(MAIS ALTO.)
ELE ‑ Diana, onde é que você se meteu?
ELA ‑ Arthur, socorro, Arthur!
ELE ‑ Sou eu,sou eu!
ELA ‑ Eu estou aqui! Estou aqui!
(MÚSICA MAIS FORTE.)
ELE ‑ (GRITANDO) Diana!
ELA ‑ (GRITANDO) Arthur!
(ELE SEGURA O CABELO DELA COM DOIS DEDOS E CORTA UMA MECHA. ELA DEITA NO COLO COMO SE FOSSE NINAR. ESTICA A PERNA E VIRA A MALA. ELA SE LEVANTA, TIRA SEM UMA TOALHA, GRANDE IMENSA, ONDE ESTÁ ESCRITO PARA TODO O MUNDO VER AS PALAVRAS: "BOAS FÉRIAS!". OS DOIS OLHAM A TOLHA ESTENDIDA. COM A TESOURA CORTA A TOALHA E TAMBÉM OUTRAS ROUPAS. MÚSICA CESSA DE REPENTE. ELE ABRE A TORNEIRA DO CHUVEIRO. ELES COMEÇAM A DANÇAR UM TANGO, UM SAMBA UMA LAMBADA, SEMPRE EM SILÊNCIO, GRITAM PALAVRAS SEM SOM, CARNAVAL. CLIMA DE EUFORIA. EMBAIXO DO CHUVEIRO. CAI O PANO.)
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