PIRANDELLO ENTRE O SER E O PARE-SER




Para Pirandello a vida (ou o tempo) é móvel, fluida, evanescente e indeterminada; não está ao alcance da razão e só se reflete através da ação espontânea ou instintiva. Todavia o homem, dotado de razão, não pode viver instintamente como os animais, nem pode aceitar uma existência que mude numa violência constantemente. Por isso, o homem usa a razão para fixar a vida por meio de definições ordenadoras. Lógica linear, cartesiana e absolutusta, mesmo sendo, como ele mesmo constata, a vida indefinível. Logo tais conceitos são ilusões. Ocasionalmente ele tem consciência da natureza ilusória de seus conceitos, mas ser humano é desejar forma, estrutura, alicerce. Tudo o que não tiver forma controlável e previsível enche o homem de pavor e incerteza.
"A humanidade não pode suportar realidade de mais" sutenta T.S.Eliot, coluna vertebral no pensamento pirandelliano.
A maneira como a humanidade se furta da realidade é parando o tempo.
Através da do exercício da razão e da conscencialidade o homem consegue temporariamente a intemporalidade. A existência é caótica, irracional, em fluxo; o homem essencializa por amor à ordem e à forma.
Em sua obra Pirandello buscou inspiração no teatro del  gortesco onde enfativa o conflito entre a face e a máscara. Chiarelli, Martini e Antonelli, são os autores que constituem o movimento do grotesco usam o conflito entre a máscara e a face para criação de situações bizzaras apresentadas deste modo o ridículo da vida. A face representa o sofrimento individual em toda a complexidade enquanto que a máscara reflete formas externas e leis sociais. O homem passeando garboso a beira de um precipício.
O indivíduo submete-se ao instinto, mas tambám é governado pelas imposições de um código rígido e o conflito impele-o em direções contraditórias. Pode parecer, dito desta forma, tratar-se de conflito do herói moderno entre o amor e a honra, mas no teatro do grotesco o resultado não é heróico. O efeito não é trágico nem cômico, é absurdo, é grotesco.
Na peça A Máscara e o Rosto, (1916) de Chiarelli, por exemplo, um italiano apaixonado anuncia em público que matará a sua mulher se esta lhe for infiel. Quando a surpreende nos braços de outro, mostra-se relutante em exercer a vingança. Por isso exila a mulher, finge que a matou e vai a julgamento por assassinato. A máscara da honra e a face do amor foram ambas salvaguardadas.
A partir daí, Pirandello aproveita integralmente toda essa antinomia e elabora múltiplas variações, tanto sociais como existenciais. Em sua obra, a máscara da aparência é modelada pelo eu dos outros. Os outros constituem o mundo social onde os pressupostos falsos de seus membros aderem a definições estreitas. O homem, como a vida é inconhecível e a alma humana, como o tempo, pode ser uma constante fuga. Mas a sociedade exige certeza e tenta aprisionar o homem em seus conceitos fictícios.
Para Pirandello, todas as instiuições e sistemas de pensamentos- religião, lei, governo, ciência, moralidade, sociologia e a própria linguagem - são meios pelos quais a sociedade cria máscaras tentando ocultar a fce esquiva do homem e fixá-lo numa classificação. Escreve ele: "Basicamente, tentei mostrar constantemente que nada ofende tanto a vida como reduzi-la a um conceito superficial".  Os conceitos são a morte da espontaneidade e a razão inadequada ante a misteriosa qualidade da existência. O mistério se mantem para além da compreensão humana e os que os desvendassem valtariam confusos e em lágrimas - Umorismo, 1908.
Por outro lado, a mente humana por se encontrar repleta de conceitos, não tem defesa contra as definições sociais. Por não estar certo de sua identidade o homem aceita a identidade que lhe é dada pelos outros.O herói de Quando se é alguém, um escritor consagrado que tenta escrever sob a máscara de um jovem iniciante para gozar da liberdade temporária de escrever poemas líricos. Ao ser descoberto, tem que retornar a um roteiro de celebridades e ser aplaudido por admiradores que não o compreedem. Texto de 1933 - três anos antes de sua morte - carregado de tintas autobiograficas marca a incidência de um eu esquivo refletido nos olhos de outros e toma o reflexo como original. Essa aceitação da identidade sobreposta é um aspecto do teatro dello specchio (teatro do espelho) de Pirandello cuja imagem - espelho - aparece em quase todas as suas peças. Laudisi examinado sua imagem no espelho, pergunta: "O que és tu para as outras pessoas? O que és tu nos olhos delas? Uma imagem, meu caro senhor, simplesmente uam imagem no espelho! Todo o mundo se encerra em si mesmo um destes um destes espectros e eis que torturamos os nossos cérebros sobre os espectros noutras pessoas..." Tudo em nós são espectros, fantasmas e nossa própria consciência nada mais é "senão outras pessoas dentro de nós". Em Cada um à sua maneira uma personagem diz: "Cada um de nós tem dos outros, reciprocamente, e tem de si próprio, o conhecimento de alguma, pequena, de uma insignificante certeza de hoje, que não é a certeza que foi ontem e nãoo será a certeza de amanhã". Neste mundo movediço, a personalidade humana dissolve-se, transfigura-se e da mesma forma queo herói da novela O Falecido Matias Pascal que despertou certa manhã com a idéia fixa de que a única coisa que podemos estar certos é do nosso nome. O que é sem dúvida mais uma ilusão. Mesma ilusão que faz com que Matias aproveitando a falsa notícia sobre a sua morte pense que sendo outro poderia gozar da liberdade que como Matias lhe era negada. Ao viver na pele de outro passa a sofre o tédio daquele que supostamente seria.
Essas são as implicações sociais do tratemento pirtandelliano das máscaras. O autor indentifica-se com o sofrimento individual em oposição ao espírito coletivo. Está em revolta contra o mundo social e todas as suas ramificações teóricas. conceituais e institucionais. Em entrevista com Domenico Vittorini, Pirandello diz: "A sociedade é necessariamente formal e neste sentido sou anti-social, mas só no sentido de que me oponho às hipocrisias e convenções sociais. A minha arte ensina cada indivíduo a aceitar seu fardo com submissão e humildade, e com perfeita consciência das imperfeições que lhe são inerentes". Dessa maneira a adoção da máscara é, segundo ele,.uma consequência inevitável de sermos humanos. Se a máscara é, muitas vezes, imposta pelo mundo externo, o mais freqüente é que seja em resultado de solicitações internas. Se de um lado Hamlet diz que "Sei o que não parece", as personagens de Pirandello quase não sabem outra coisa senão o que parecem.
As coisas não tem que ser verdadeiras tem que parecer verdade.
De qualquer maneira, sabendo ou não, todos dedicam-se às aparências como uma defesa contra a agonia da persoalidade cambiante. "Escondo continuamente a minha face de mim mesmo"diz uma personagem de Cada Uma À Sua Maneira "tal a vergonha que sinto ao ver que me transformo". Vergonha que aumenta com o tempo, pois a velhice agrava as mudanças. "A idade é o próprio tempo reduzido a dimensões humanas... o tempo dói... e nós somos feitos de carne" escreve ele, ou ainda, "Vocês não sabem que coisa atroz contemplar-se subitamente no espelho e sentir que a mágoa de ver-se a si mesmo é maior o que do que o espanto de já não recordar. Não sabem o que é a vergonha obscena de sentir uma cabeça jovem num velho corpo". O corpo é forma, mas a forma se altera com o tempo. A fim de parar o tempo, de conseguir a estase, as personagens localizam um ponto morto, envergam as máscaras esperando ocultar suas faces envergonhadas mediante o desenpenho de um papel.
É isso que Pirandello entende por construirsi, construir a si próprio. O homem começa como um nada definido e converte-se num construzione. Lembremos que ele nasceu numa pequena vila na Sicilia cujo nome é Caos. Assim o homem, neste trajeto desempenha papéis de acordo com padrões predeterminados. São papéis familiares (pai, mãe, filhos), papéis religiosos (santo, blasfemo, sacerdote, ateu) e/ou papéis psicológicos (louco, neurótico, normal). Contudo nesses papéis, em nenhum deles, deixa-se revelar a face do ator. São disfarces destinados a dar forma e propósito a uma existência destituida de sentido, máscaras de uma infinita comédia da ilusão. O verdadeiro eu só é revelado num momento de cego instinto que tem o poder de derrubar todos os códigos e conceitos. Mas mesmo assim, neste momento de ruptura o eu já está no ponto de transformação. Recusa dessa forma a idealizar a personalidade e a identifica como uma construção fictícia. Concentra-se, de fato, na deseintegração da personalidade num ambiente de servidão e frustração. Uma revolta existencial no estilo irônico. O homem porandelliano tem liberdade, mas a sua liberdade é insuportável pois o leva para o êrmo, o direciona para o nada. Por isso prefere refugiar-se na ilusão benéfica ao invés de buscar a ação espontânea e institiva. "Quanto maior a luta pela vida, maior a necessidade de lôgro mútuo".
As implicações histriônicas decorrentes são grandes. O herói pirandelliano é um ator, uma personagem disfarçada, mas além de ser ator é tembém um crítico que julga cruelmente o seu desempenho. No drama elizabetano a personegem também se disfarça e se, ansiosa, tenta proteger dos outros seu disfarce, enquanto que em Pirandello ela tanta proteger o disfarce de si próprio.
Pirandello em dois momentos sobre o teatro dello specchio:
"Quando um homem vive, vive e não se vê a si próprio. Bom, coloquem um espelho diante e façam que ele se veja no ato de viver. Ou ficará atônito por sua própria aparência, ou desviara os olhos para não se ver a si próprio, ou então, com nojo, cuspirá em própria imagem ou, ainda, cerrará os punhos para quebrá-lo. Numa palavra, ocorre uma crise, e essa crise é o meu teatro.".
Noutro lugar acrescenta:
"Se nos aprentarmos aos outros como concepções artificiais em relação ao que realmente somos, é lógico que ao olharmo-nos num espelho vejamos a nossa falsidade refletida nele, amargurada e insuportável".
Nos Prazeres da Honestidade:
"...uma indescritível náusea que sou forçado a construir e exibir nas relações que devo  assumir com meus semelhantes".
Estranho paradoxo pirandelliano: as personagens querem estar fixas e no entanto querem se mover!
O par aparência e realidade ou Arte e Natureza também aparece na obra de Pirandello sob o conflito entre a vida e a forma enquanto as aparências convertem-se em ilusões. Pirandello demonstra simpatia pelo homem que tenta esconder-se da realidade e pelo que tenta mergulhar nela. Vida e forma - realidade e ilusão - são opostos que constituem polos gêmeos da existência humana.
Ele também é ambivalente com a razão. Basea-se na crença que o conhecimento real, se coloca como um anti-intelectual, mas paradoxalmente é através do intelecto que ele atinge as sua conclusões. 

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